Synthetic Statistics
‘Nesta porta, a arte também se escuta’
É a primeira vez que a Porta33 se rende a uma experiência imersiva desta natureza. Uma exposição para
ouvir e sentir o espaço e os subespaços em que este se declina, com assinatura do artista alemão Florian
Hecker, um dos mais consagrados nomes da música eletrónica/sintetizada. A residir, atualmente, na cidade
do Funchal, Hecker é autor de um extenso e eminente espólio artístico, que o público já pôde experimentar,
quer em exibições nalguns dos mais prestigiados museus mundiais, como o MoMA, em Nova Iorque, ou o Centre
Georges Pompidou, em Paris, quer nos mais renomados festivais mundiais de música contemporânea
eletrónica.
Por cá, já pudemos fruir das suas criações no palco do MadeiraDig, festival internacional de música
eletrónica, mas, à Porta33, Florian traz uma perspetiva do seu repertório que se reveste de uma abordagem
inédita no nosso arquipélago. Trata-se de um novo trilho pensado e esculpido a partir e por dentro da
casa, do íntimo de cada assoalhada. A instalação intitula-se 'Synthetic Statistics' e convoca a uma viagem
sensorial de amplo espectro, em que arquitetura do espaço, o ambiente e os objetos se fundem com o
fruidor, por vezes, em dimensões inesperadas. Um jogo de suspense cuja linguagem concetual-experimental
nos transporta para um profundo exercício de imersão, no qual 'sentir' é verbo de ordem. Impossível será
não nos surpreendermos, não nos envolvermos a fundo. Basta entrar para crer.
A obra de Florian Hecker assume a forma de uma narrativa sonoro-psíquica em que o espaço se converte,
através da experiência de escuta, numa espécie de tradução interpretativa e 'corpórea' da sua própria
essência enquanto espaço que não é apenas espaço, mas sensação; pensamento e transcendência de si mesmo.
Mostrar aquilo que outros sentidos, além da visão ocular, podem dar a descobrir é, pois, o principal
desafio que 'Synthetic Statistics' coloca ao público. Em todo o caso, não nos deixemos enganar pela
suposta 'tecnicidade' do título, adverte o autor, ao prometer que quem entrar pela Porta33, a partir do
próximo dia 25 de maio até 10 de Agosto, vai, na imersão, entender tudo. No espaço, a seu tempo.
Sonoridade adentro.
‘Ver com os Olhos de Escutar’
texto de Susana de Figueiredo a partir de uma conversa com o artista
As paredes da sala de exposições principal, outrora brancas, sobressaem agora pintadas a tinta CIN 05G4,
servindo de contexto cromático a Synthetic Statistics, exposição concetual e sensorial do criador alemão
Florian Hecker, que abre ao público no próximo sábado, pelas 18h00, na Porta 33. Como descrever este
projeto? Talvez a sua essência seja impossível de traduzir numa linguagem lexical, já que falamos de uma
experiência eminentemente imersiva e intuitiva, em que, através de composições plástico-sonoras, o fruidor é
convocado a experimentar outras dimensões, quer de si mesmo, quer do espaço que o rodeia. “Não creio
que Synthetic Statistics possa explicar-se por palavras; trata-se de algo que escapa à linguagem, que tem de
ser experimentado pela audiência para ser entendível.” A afirmação é de Florian Hecker, em resposta a
um pedido de descrição de Synthetic Statistics. Segundo o autor, que, desde muito cedo, se apaixonou pela
música eletrónica – e não se imagina a fazer outra coisa se não o que faz – as suas composições não nascem
necessariamente de um sentimento ou de um estado de espírito, mas de um estudo e de uma intuição; da busca
por uma lógica, por um sentido formalizado e estruturado. O processo só se conclui no confronto com a
audiência, na interpretação que esta faz das peças a que é exposta, interpretação essa que resulta não
apenas daquilo que se escuta, mas de tudo quanto se pode experimentar para lá da própria escuta. “Há
sempre algo mais dentro de uma sonoridade. Um som não é só aquilo que se ouve.”, defende Hecker,
notando que o cenário montado na Porta 33 – além da nova cor nas paredes, há cabos e focos de iluminação a
alimentar a cena – proporcionará aos visitantes uma viagem, por vezes sinestésica, que se propõe expandir
todos os sentidos do corpo, da pele primária ao nervo último, abrindo novas geografias internas e
despertando convocações para diferentes leituras do tempo e do espaço. Pretende-se, com esta experiência,
deseclipsar conceitos adormecidos atrás dos olhos e desbravar todo um território psíquico-sensitivo, muito
além-auscultação. Synthetic Statistics é uma criação capaz de “tocar toda a gente”, afirma
Florian, embora deixe claro que prefere despir-se de quaisquer expetativas relativamente às reações do
público. “Cada evento é sempre um encontro subjetivo. Nunca sei o que vai acontecer, e isso torna tudo
ainda mais interessante.”, explica.
No mundo atual, em que os espaços e tempos de silêncio são cada vez mais escassos, há quem clame pela
ausência de som enquanto outros se sentem confortáveis na omnipresença de uma ‘banda sonora’,
mas Hecker sustenta uma visão bem diferente a este respeito. Questionado sobre a relação que mantém com o
silêncio, e o lugar que este ocupa na sua vida, o autor surpreende-nos com esta resposta: “Creio que
nunca experimentei o silêncio. Para mim, o silêncio simplesmente não existe, é uma fantasia. Há sempre algum
som no ar, há sempre alguma coisa a acontecer.”
Synthetic Statistics será um acontecimento [acometimento] inédito na Porta 33, que está a ultimar os
preparativos para esta imersão numa nova linguagem. Ao ganhar esta morada, a obra de Florian Hecker
interseta-se, inevitavelmente, com os espaços e subespaços da Porta, traduzindo-os à luz de uma nova
gramática, enquanto os aproxima da sua própria matriz para, no mesmo movimento e do mesmo sopro, os fazer
levantar da terra rumo a uma outra multidimensionalidade. Acrescenta-lhe, deste modo, uma nova ordem,
declina-o noutras lógicas. Provoca um novo encontro. Está quase.
A sessão de abertura de Synthetic Statistics contará com a presença de alguns dos mais notáveis nomes da
arte contemporânea internacional, nomeadamente Miguel Wandschneider, membro da Guy de Cointet Society
(Paris), que, durante uma década, foi responsável pela curadoria do programa de exposições da Culturgest;
Michael Newman, professor no Departamento de Arte de Goldsmiths da Universidade de Londres, e Robin
Mackay, diretor da Urbanomic Media Ltd, editora que divulga a relação interdisciplinar na arte
contemporânea. Os três juntar-se-ão a Florian Hecker, numa conversa sobre o projeto expositivo apresentado
na Porta 33.
Florian Hecker
Nascido em 1975 em Augsburg, na Alemanha, cresceu na cidade de Kissing e estudou Linguística Computacional e
Psicolinguística na Ludwig Maximilian Universität, em Munique, e Belas Artes na Akademie der Bildenden Künste,
em Viena. Desde 2014, é bolseiro do Chanceler da Universidade de Edimburgo.
As suas criações incluem trabalhos de som sintetizado, que convidam o público a embarcar numa viagem sensorial
alicerçada sobre um exercício de escuta imersiva, através da performance, instalação e publicação. Os seus
projetos exploram a modernidade composicional do período pós-guerra, a audiologia e o conhecimento
psicoacústico. Desde 1996, Hecker tem protagonizado inúmeras performances e concertos internacionais, tanto em
grandes salas como em festivais de música eletrónica contemporânea. 'Inspection' (Projeto Maida Vale), sua
mais recente obra, foi encomendada pela BBC Radio 3 como a primeira transmissão binaural da BBC, e 'FAVN' foi
apresentada na Alte Oper Frankfurt em parceria com o MMK Museum für Moderne Kunst Frankfurt am Main (ambas em
2016). A sua colaboração com Reza Negarestani, 'A Script for Machine Synthesis', foi apresentada no Stedelijk
Museum Amsterdam e na Maison de la Radio, em Paris (2015), e 'Formulation' (Project FLV) foi apresentado como
parte da exposição inaugural na Fondation Louis Vuitton, em Paris (2014). Grandes exibições e apresentações
recentes do artista incluem, entre outros, os projetos 'Florian Hecker - Synopsis / Seriation', Museu de Arte
da CU, Universidade do Colorado em Boulder, CO, EUA (2018); 'Florian Hecker - Halluzination, Perspektive,
Synthese', Kunsthalle Wien, Viena; 'Florian Hecker - Synopsis, Tramway, Glasgow' (ambos em 2017); 'Florian
Hecker - Formulations', MMK Museum für Moderne Kunst Frankfurt, Main (2016); 'Florian Hecker - Formulations',
Culturgest, Porto; e Künstlerhaus Graz e Midway Contemporary Art, Minneapolis (todos em 2015); 'Sadie Coles
HQ', Londres; Galerie Neu / MD72, Berlim; 'Articulação', Lumiar Cité, Lisboa; Documenta 13, Kassel; e Festival
Nouveau, Centre Georges Pompidou, Paris (todos em 2012). Da extensa discografia de Hecker destacam-se 'A
Script for Machine Synthesis' (Editions Mego, Viena, 2017); 'Articulação Sintética' (Edições Mego, Viena,
2017); 'Hecker Leckey Sound Voice Chimera' (Pan, Berlim, 2015); 'Speculative solution' (Edições Mego, Viena,
2011); e 'Acid in the Style of David Tudor' (Edições Mego, Viena, 2009).