João Paulo Feliciano

iniciou a sua actividade artística através da pintura, na primeira metade dos anos 80, quando era estudante de Línguas e Literaturas Modernas na Universidade Clássica de Lisboa. Ao contrário da maioria dos artistas da sua geração, não frequentou a Escola de Belas-Artes, tendo sido importante, nessa fase de formação autodidacta, o convívio com artistas como Joaquim Bravo, José Miranda Justo ou Pedro Cabrita Reis. Nos primeiros anos, dedica-se a uma pintura genericamente abstracta (apesar de possíveis sugestões figurativas assinaladas ironicamente pelos títulos) em que o espaço pictórico é construído através de uma relação tumultuosa com a superfície, bem evidente nas marcas da gestualidade, nas sobreposições e acumulação da matéria e nas texturas salientes. Era já então notória, na manipulação dos materiais (tintas, colas, vernizes) e em todo o processo de realização das pinturas, uma atitude de experimentação que nunca deixou de acompanhar a sua prática artística.

Por volta de 1988, coincidindo com uma estada em Bruxelas ao longo desse ano, o seu trabalho adquire maior contenção formal e um pendor para a conceptualização, que o uso da linguagem – não apenas através dos títulos, mas também, em alguns casos, inscrito na obra – indicia. A reciclagem e a associação de materiais encontrados, e uma tensão e ambivalência entre a superfície bidimensional e a exploração objectual, são características comuns às obras deste período de transição, cujo desfecho haveria de levar, no limiar dessa década, a uma deslocação da pintura para os domínios do objecto e da instalação.

A descontinuidade que estava em vias de se concretizar nas atitudes, nos processos de trabalho e nas estratégias formais e expressivas de João Paulo Feliciano beneficiou, no final dos anos 80, da colaboração com Pedro Portugal e da ligação ao grupo Ases da Paleta (de que faziam parte, além de Portugal, Manuel João Vieira e Fernando Brito, todos eles anteriormente ligados ao grupo Homeoestética), uma e outra contribuindo para a adesão a uma atitude de jogo e ironia que teria formulação mais consequente no seu trabalho posterior. Mais decisiva, contudo, para essa mudança nos seus modos de conceber e praticar a arte terá sido a intensa actividade que desenvolveu, desde o final dessa década, no campo da música rock (sobretudo ligado ao grupo Tina & the Top Ten) e da música experimental e electrónica (sobretudo no projecto No Noise Reduction, em parceria com Rafael Toral). As consequências dessa actividade paralela seriam verificáveis, desde logo, na transposição de referências e elementos provenientes do universo da música rock, mas também, e de forma mais difusa, na adopção de uma atitude lúdica relativamente à arte e no permanente agenciamento de materiais, imagens e significados referenciados à realidade quotidiana e à experiência do mundo contemporâneo.

Um conjunto de peças realizadas entre 1990 e 1994 demarca a fase mais produtiva do seu trabalho e confirma-o como um dos artistas portugueses mais idiossincráticos da década de 90. Avesso a orientações programáticas e a filiações disciplinares, assumindo uma atitude de experimentação permanente, João Paulo Feliciano foi operando, no decurso do seu trabalho, uma progressiva expansão do seu campo de possibilidades a partir de um reportório muito alargado e potencialmente inesgotável de materiais, imagens, e soluções técnicas e formais, a que recorre segundo um princípio de adequação e eficácia no desenvolvimento de uma determinada ideia. Na maior parte das obras, o espectador é interpelado a partir de um jogo versátil, conciso e irónico de associação entre materiais, imagens, formas e significados, mediado pela linguagem, que faz da experiência da arte simultaneamente uma experiência renovada de percepção e compreensão do mundo.

A partir de meados da década de 90, o artista descentrou a sua actividade criativa do contexto da arte, reflexo afinal de um entendimento da criatividade que valoriza o cruzamento de formas eruditas e populares de expressão cultural e não hierarquiza os contextos de produção e difusão (incluindo os da cultura de massas), coincidindo com uma tendência das sociedades contemporâneas para a esteticização do quotidiano. Desde o design gráfico e multimedia, nomeadamente no âmbito do atelier Secretonix, até à co-autoria e direcção artística do espectáculo multimedia Acqua Matrix, apresentado diariamente na Expo’98 em Lisboa, desde a concepção e coordenação do projecto Houseware Experience, que explora a intersecção entre tecnologias multimedia e audiovisuais num contexto de actuação ao vivo, até à direcção artística da bienal ExperimentaDesign – foram múltiplos e absorventes os projectos e as actividades em que esteve envolvido.

Parece estar actualmente em curso um processo de recentramento da sua actividade no mundo da arte. Algumas obras recentes, concretamente fotografias digitalmente manipuladas e colagens com acento gráfico, prolongam o seu interesse anterior na reutilização e combinação de imagens das mais diversas origens. Outras propostas, em vésperas de apresentação pública, retomam o seu fascínio pela luz, detectável em várias obras desde o final dos anos 80, e redireccionam experiências anteriores de combinação entre a luz e a cor. A dimensão pictórica da imagem, dissociada de qualquer remissão para elementos e significados da experiência quotidiana, e a percepção puramente visual, dispensando a mediação da linguagem, surgem como aspectos salientes deste ressurgimento e abrem novas direcções ao seu trabalho.

1963, Caldas da Rainha, Portugal

FORMAÇÃO
Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Linguísticos de Português e Inglês),
Universidade Clássica de Lisboa, 1985

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS (Selecção)

2004
Serralves – Museu de Arte Contemporânea, Porto, Portugal (Maio-Julho)
SlowMotion, Porta 33, Funchal, Portugal

2003
Galeria Cristina Guerra, Lisboa, Portugal

2000
SlowMotion (curator: Miguel Wandschneider), ESTGAD, Caldas da Rainha, Portugal

1999
Galeria Cesar, Lisboa, Portugal

1998
Evolution my Mind, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal

1997
Light – As Opposed to Darkness/As Opposed to Heavy, Art Attack, Caldas da Rainha, Portugal

1994
Mousunturm, Frankfurt, Alemanha

1993
I’ve Always Loved You, Galeria Graça Fonseca, Lisboa, Portugal

1990
Galeria Oliva Arauna, Madrid, Espanha
Galeria Graça Fonseca, Lisboa, Portugal

1989
Portugal + Feliciano, Galeria Transit (em colaboração com Pedro Portugal), Leuven, Bélgica

1988
Galeria DeEquilibrist, Sint-Nicklas, Bélgica

1987
A Arte da Cura, Museu de Setúbal, Setúbal, Portugal
Pinturas e Objectos de Parede, Galeria CAPC, Coimbra, Portugal

1985
The Armory Shown, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, Portugal
Pontes e Passagens de Nível, Galeria CAPC, Coimbra, Portugal

EXPOSIÇÕES COLECTIVAS (Selecção)

2003
Voyager 03, experimentadesign2003, Barcelona, Paris, Madrid, Lisboa

2001
Voyager 01, experimentadesign2001, Milão, Londres, Lisboa, Barcelona
Modos Afirmativos e Declinações, Évora, Faro e Amarante, Portugal

2000 Sonic Boom – The Art of Sound (curator: David Toop), Hayward Gallery, Londres, Reino Unido

1999
Ruidos, Galeria Cesar, Lisboa, Portugal

1998
Art Attack na ZDB, Galeria ZDB, Lisboa, Portugal
Arte Portuguesa dos Anos 90 na Colecção de Serralves, Braga, Viana do Castelo, Amarante, Guimarães, Paredes, Santo Tirso, Bragança, Portugal

1997
Ecos de la Matéria, Museu Ibero-Americano de Arte Contemporânea, Badajoz e Sala de las Atarazanas, Valencia, Espanha

1996
Titanium Exposé (curator: Rui Toscano), Galeria Graça Fonseca, Lisboa, Portugal
Bildloses Abbild, Sparkasse Gutersloh, Bona, Alemanha

1995
Peninsulares (curator: João Fernandes), Galeria Thomas March, Valencia, Espanha

1994
Multiplas Dimensões, Centro Cultural de Belém, Lisboa, Portugal
Depois de Amanhã, curator: Isabel Carlos, Centro Cultural de Belém, Lisboa, Portugal
Uno cada Uno, Galeria Juana de Aizpuru, Madrid, Espanha
The Independent Worm Saloon, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, Portugal

1993
Imagens para os Anos 90, Fundação de Serralves, Porto, e Culturgest, Lisboa, Portugal

1992
Finisterra, Círculo de Bellas Artes, Madrid, Espanha
Already Made, Galeria Graça Fonseca, Lisboa, Portugal

1991
Manifesto, Convento de S. Francisco, Beja, Portugal
The Floor Show, Galeria DeEquilibrist, Sint-Nicklaas, Bélgica
SNAP, Galeria DeEquilibrist, Sint-Nicklaas, Bélgica

1990
Galeria Oliva Arauna, Madrid, Espanha
Galeria DeEquilibrist, Sint-Nicklaas, Bélgica
Ases da Paleta (com Pedro Portugal, Manuel João Vieira e Fernando Brito), Galeria Quadrum, Lisboa, Portugal

1989
Rien ne va plus Faites vos Y(j)eux, H.A.C.K., Den Haag, Holanda
3 x (2x1) Propositions, Moving Space Gallery, Gent, Bélgica

1988
Galeria Christine et Isy Brachot, Bruxelas, Bélgica

1985
Arte nos Anos 80, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, Portugal

1984
Bienal de Lagos, Lagos, Portugal

COLECÇÕES (Selecção)

Fundação de Serralves, Porto
Colecção Banco Privado
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
Caixa Geral de Depósitos, Lisboa
Museo Ibero-Americano de Arte Contemporânea, Badajoz
Museu de Chaves, Chaves
Colecção Francisco Capelo
Colecção Pedro Cabrita Reis

PERFORMANCE
2002
Landscope+Elastic Void, FAD, Barcelona (integrado na apresentação da Voyager 01) com Lee Ranaldo, Rafael Toral e Leah Singer, Serralves, Porto, e FCG, Lisboa

2001
com Houselab, Old Trumman Brewery, Londres (integrado na apresentação da Voyager 01) Em Tempo Real, colaboração entre Houselab e Nova Dança 4, Centro Cultural Banco Brasil, Rio de Janeiro

2000
Houseware Experience, Expo2000, Hannover (integrado nas comemorações do dia de Portugal) Em Tempo Real, colaboração entre Houselab e Nova Dança 4, Encontros Acarte, F.C.G., Lisboa

1999
Houseware Experience – (experimentadesign’99), Central Tejo, Lisboa
com Rafael Toral, Peter Renberg & Christian Fennesz, Vila Nova de Foz Coa e Lisboa (Lux)
com No Noise Reduction: “OpticoSonic Electronics” (primeira parte dos Sonic Youth), Aula Magna, Lisboa
com Phill Niblock (Guitar Piece e Early Winter), Galeria ZDB, Lisboa.

1998
com os Tina And The Top Ten, dois concertos na Expo’ 98

1995
com No Noise Reduction, On Air, 3 concertos via rádio (XFM-Lisboa, RUC-Coimbra, RLO-Óbidos)

1994
Urban Aboriginals Festival, Berlim, (com Mimi)

1993
iEar Studios, Rensselear Polythecnic Institute, Troy, USA
Experimental Intermedia Foundation, New York (com Roger Kleyer, Ann Gosfield e David T. Dienes)
com No Noise Reduction, Solo for Voice Nº23 de John Cage, Galeria Graça Fonseca, Lisboa

1992
Palau de Musica, Valencia, Espanha (com Mário Feliciano, Pedro Falcão e Gonçalo Santos)

1991
Concerto para 10 Guitarras de Rafael Toral, Galeria Monumental, Lisboa

1990
com No Noise Reduction, Johnny Guitar, Lisboa

1991 - 1992
Vários concertos com Pop dell’ Arte.

1989 - 1998
Vários (muitos) concertos com Tina And The Top Ten (incluindo primeira parte dos Sonic Youth, Lisboa, 1993)

DISCOGRAFIA:

com No Noise Reduction

Sonic Boom, compilação, Hayward Gallery, (CD, 2000) (integrado no catálogo da exposição)
On Air, Ananana (CD, 1997)
The complete NO NOISE REDUCTION, Moneyland Records (CD, 1995)
Em Tempo Real, El Tatu (split CD, 1991)

com os Tina And The Top Ten

Super Caldas, compilação (CD, 2003)
Cais do Rock, compilação, LowFly Records (CD, 1996)
Teenagers from Outer Space, compilação, Beekeeper (Lp,1996)
No More, El Tatu, (CD-ep, 1994)
Teenage Drool, El Tatu, (CD, 1994)
Everslick, Moneyland Records (7” single, 1993)
3x7’inches, compliação, Moneyland Records, (7’’ single), 1993)
Distorção Caleidoscópica, compilação, MTM Records (LP, 1992)
Yeah Trips, edição de autor (cassete, 1991)

Colaborações / participações

Red Beans e Mumo, Supergat, A062 (CD, 1999)
Ithaka, Flowers and the Colors of Paint, Fábrica de Sons, (CD, 1996)
Pop Dell’ Arte, Ready Made, Variodisc / Amro (mini-LP, 1992)
Pop Dell’ Arte, 2002, Variodisc / Amro (12", 1992)

a solo

Do Astronauts Fart Inside Their Space Suits, cassete com os TVT, Beekeeper (Cassete, 1997)

OUTRAS ACTIVIDADES

2003
Curator da exposição EXPANDED, experimentadesign2003 - Bienal de Lisboa

2000 - 2003
Integra a direcção da Experimentadesign – Bienal de Lisboa

1999 - 2000
Concepção e direcção do projecto HOUSEWARE EXPERIENCE - Explorations in live mixed media, (experimentadesign99, Lisboa e Expo2000, Hannover)

1997 - 1998
Co-Autoria e direcção artística do espectáculo ACQUA MATRIX, - Expo’ 98 (apresentado 129 vezes)

1994 - 1995
Organizador e programador do FESTIVAL TEENAGE DROOL, Johnny Guitar, Lisboa

1994
Fundador do estúdio de design gráfico SECRETONIX (junto com designer tipográfico Mário Feliciano)

1993
Lançou a MONEYLAND RECORDS (edições de Sonic Youth, Tina And The Top Ten, No Noise Reduction, Red Beans, Rafael Toral)