Pedro Costa, José Neves, António Guerreiro
Sábado 27 de Abril 18h
Vendo No Quarto da Vanda tal como é agora, com a forma que o filme tem, creio que não pode vir senão de um cansaço e de um desgosto. Vem dos anos anteriores ao cinema, de outra coisa que não o cinema. Não vem da infância mas seguramente do princípio da adolescência, ou seja do quarto. É banal, poeticamente banal; todos os adolescentes compreendem este desejo de estar fechado, de ruminar os pensamentos, de não falar, de sonhar, tomar drogas. A poesia, Pessoa, Rimbaud, o rock, as cumplicidades, sonhos de mudar as coisas ou de não mudar absolutamente nada. De tudo o que faz um quarto de adolescente.
Também podemos fazer filmes assim: indo filmar todos os dias como se fôssemos pedir esmola, sem saber o que nos vai ser dado — dinheiro, um melro dourado, um ramo de flores, uma colher de prata.
PEDRO COSTA
No Quarto da Vanda" marca uma viragem na obra cinematográfica de Pedro Costa. E, nessa deslocação no modo de filmar, Vanda desempenhou um papel fundamental, com a sua presença plena, o seu poder narrativo, a sua memória. O cineasta entrou no quarto da Vanda para penetrar também no coração de um bairro em demolição, pelo que poderíamos concluir que estamos perante um documentário. Mas, como disse Pedro Costa numa longa entrevista editada em livro (a acompanhar a edição em DVD do filme), ele entrou no quarto com "um desejo de ficção". O resultado acabou por ser uma subversão dos géneros. E a figura de Vanda é uma grandiosa subversão da ideia de personagem e de actor.
ANTÓNIO GUERREIRO
A ambição destas notas breves, acompanhadas de palavras e de imagens emprestadas de dois filmes de Pedro Costa – No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha –, é terem a capacidade de chamar a atenção para o muito – em quantidade, diversidade e intensidade – que se vê e que se ouve por entre a miséria das Fontaínhas de um, contraposto ao nada com que nos deparamos na miséria do Casal da Boba do outro que, no entanto, por ser de cinema que se trata, é um nada que também se vê e ouve. (...) Mas talvez não haja muito cinema em que "a arquitectura 'interprete' um papel" ou seja tomada como personagem, como acontece nestes dois filmes de Pedro Costa. É que No Quarto da Vanda e em Juventude em Marcha as acções em momento nenhum se podem desligar dos lugares onde se dão – condição vital do cinema –, mas nestes filmes esses lugares e essas coisas são trazidos, além disso, para a nossa frente. Nestes filmes, o "como a outra metade vive" anda inteiramente a par do "onde" ela vive.
JOSÉ NEVES