PEDRO COSTA
No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha
PORTA33 — 27.04.2013
José Neves | António Guerreiro | Pedro Costa

PORTA33 — 27.04.2013

Vendo No Quarto da Vanda tal como é agora, com a forma que o filme tem, creio que não pode vir senão de um cansaço e de um desgosto. Vem dos anos anteriores ao cinema, de outra coisa que não o cinema. Não vem da infância mas seguramente do princípio da adolescência, ou seja do quarto. É banal, poeticamente banal; todos os adolescentes compreendem este desejo de estar fechado, de ruminar os pensamentos, de não falar, de sonhar, tomar drogas. A poesia, Pessoa, Rimbaud, o rock, as cumplicidades, sonhos de mudar as coisas ou de não mudar absolutamente nada. De tudo o que faz um quarto de adolescente.

Também podemos fazer filmes assim: indo filmar todos os dias como se fôssemos pedir esmola, sem saber o que nos vai ser dado — dinheiro, um melro dourado, um ramo de flores, uma colher de prata.

Pedro Costa

No Quarto da Vanda" marca uma viragem na obra cinematográfica de Pedro Costa. E, nessa deslocação no modo de filmar, Vanda desempenhou um papel fundamental, com a sua presença plena, o seu poder narrativo, a sua memória. O cineasta entrou no quarto da Vanda para penetrar também no coração de um bairro em demolição, pelo que poderíamos concluir que estamos perante um documentário. Mas, como disse Pedro Costa numa longa entrevista editada em livro (a acompanhar a edição em DVD do filme), ele entrou no quarto com "um desejo de ficção". O resultado acabou por ser uma subversão dos géneros. E a figura de Vanda é uma grandiosa subversão da ideia de personagem e de actor.

António Guerreiro



A ambição destas notas breves, acompanhadas de palavras e de imagens emprestadas de dois filmes de Pedro Costa – No Quarto da Vanda e Juventude em Marcha –, é terem a capacidade de chamar a atenção para o muito – em quantidade, diversidade e intensidade – que se vê e que se ouve por entre a miséria das Fontaínhas de um, contraposto ao nada com que nos deparamos na miséria do Casal da Boba do outro que, no entanto, por ser de cinema que se trata, é um nada que também se vê e ouve. (...) Mas talvez não haja muito cinema em que "a arquitectura 'interprete' um papel" ou seja tomada como personagem, como acontece nestes dois filmes de Pedro Costa. É que No Quarto da Vanda e em Juventude em Marcha as acções em momento nenhum se podem desligar dos lugares onde se dão – condição vital do cinema –, mas nestes filmes esses lugares e essas coisas são trazidos, além disso, para a nossa frente. Nestes filmes, o "como a outra metade vive" anda inteiramente a par do "onde" ela vive.

José Neves



BIOGRAFIAS

António Guerreiro nasceu em Santiago do Cacém em 24 de Novembro de 1959. Licenciado em 1984 em Línguas e Literatura Moderna - Português/Francês - pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi professor do ensino secundário em 1984/ 1985. Em 1986, ingressou como Assistente da cadeira de Introdução aos Estudos Literários na Escola Superior de Educação do Porto, onde leccionou até ao final do ano lectivo de 1988. Em 1989, é convidado para ingressar nos quadros do "Expresso" (do qual era colaborador desde 1986), abandonando o ensino e passando a exercer as funções de crítico literário e jornalista cultural nesse semanário de onde sai em Dezembro de 2013. Actualmente é colaborador no jornal "Público". Entre 1997 e 2001, a par do trabalho de crítico literário, deu aulas, como convidado, no curso de Ciências da Cultura e da Comunicação da Universidade Lusófona. Entre 2001 e 2004 esteve em Berlim como bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, a fim de preparar uma tese de doutoramento em teoria literária sobre o filósofo alemão Walter Benjamin (tese que está em fase de conclusão). Em 2003 e 2004 fez parte de um grupo de investigação sobre Enciclopédia e Hipertexto, dirigido pela Professora Olga Pombo, do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências de Lisboa. Publications / Publicações Recentes: ; "Enciclopédia e Hipertexto" (em co-autoria com Olga Pombo e António Franco Alexandre), Lisboa, 2006 ; "O Acento Agudo do Presente", Livros Cotovia, Lisboa, 2001 (Prémio do Pen Clube) ; "Paris 1900", Parque Expo' 98, Lisboa, 1997 Publicou, ainda, cerca de duas dezenas de artigos em revistas literárias e culturais especializadas e em revistas universitárias (por exemplo: Colóquio-Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian; Revista de História das Ideias, da Universidade de Coimbra; Revista Românica, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Traduziu autores franceses (Bataille, Baudelaire, Bernard Henri-Lévy, Fernand Braudel) e italianos (Gianni Vattimo, Mário Perniola, Umberto Eco e Giorgio Agamben). Participou, como conferencista, em colóquios sobre temas e autores da literatura portuguesa.



José Neves nasce em Lisboa em 27 de Dezembro de 1963. Licencia-se em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 1986. Colabora com os arquitectos Duarte Cabral de Mello e Maria Manuel Godinho de Almeida entre 1986 e 1990. Participa em diversos trabalhos com o arquitecto Vítor Figueiredo. Entre 1988 e 2012 trabalha como Assistente e Professor Convidado nos D.A./U.L. (1990-1991), D.A./U.A.L. (1998-2000) e na F.A.U.T.L. (desde 1988), onde prepara a sua tese de doutoramento intitulada "A arquitectura como trabalho de continuidade: Reflexões a partir de uma prática do projecto". Abre atelier próprio em 1991. A Casa do Moinho (1º Prémio de Arquitectura da Câmara Municipal de Torres Vedras 1996-2001), o Edifício C6 e Alameda da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (1º lugar em concurso público), a requalificação e ampliação da Escola Marquesa de Alorna e da Escola Francisco de Arruda, em Lisboa, e o Centro de Artes do Carnaval (1º lugar em concurso público) encontram-se entre os seus trabalhos. Foi ainda premiado em outros concursos públicos como para a Reitoria da Universidade Técnica de Lisboa, a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Minho, ou o Mercado de Levante de Almada. Tem publicado textos sobre a relação entre a arquitectura e o cinema e, enquanto fundador e coordenador do Núcleo de Cinema da F.A.U.T.L., programou e organizou diversos ciclos e conferências, entre os quais o "Lugar dos Ricos e dos Pobres no Cinema e na Arquitectura em Portugal" que decorreu na Cinemateca Portuguesa entre 2007 e 2008 e que será brevemente publicado em livro sob a chancela da Dafne. http://www.joseneves.net/