Rui Toscano

tem revelado, ao longo dos anos, uma capacidade invulgar para expandir o seu campo de possibilidades criativas, a partir do recurso a diferentes media (escultura, som, vídeo, instalação, desenho) e da constante abertura do leque de ideias, sistemas de referência e soluções formais com que trabalha. Neste processo de irradiação, identificam-se linhas de continuidade, ora mais circunscritas, ora mais distendidas, que correm paralelas, se sucedem e se cruzam, formando diferentes genealogias ou constelações mais pequenas de obras. Todavia, esses factores de agregação – por exemplo, determinado tipo de referências, um material como o rádio-gravador, o género da paisagem, a cidade de São Paulo como motivo, certas características e soluções de ordem formal – são inscritos num movimento centrífugo, num impulso de alteridade em constante actividade no interior do seu trabalho.

Numa primeira fase, entre 1994 e 1996, sobressai o interesse do artista por explorar referências, transferidas da sua vivência quotidiana, associadas à cultura rock e a certas expressões das culturas juvenis urbanas. É disso exemplo emblemático Bricks Are Heavy, de 1994, em que o duplo sentido da palavra “tijolo” (que, no jargão juvenil, designa o rádio-gravador portátil) funciona como ponto de partida na construção de um muro com catorze rádio-gravadores, cada um deles a tocar uma cassete gravada expressamente para esse efeito por um artista, músico, ou dj. Esta peça inaugurou uma genealogia, que se prolonga até hoje, em que o rádio-gravador é utilizado como elemento operativo no cruzamento entre objecto, som e linguagem. Desde então, o som enquanto matéria constitutiva da obra e da experiência da sua percepção tem sido uma característica saliente de grande parte do trabalho de Rui Toscano. No ano seguinte, realizou (They Say We’re Generation X, But I Say We’re Generation Fuck You!), treze rádio-gravadores alinhados na parede de modo a comporem a letra X, que reproduzem ininterruptamente a frase que dá o título à peça, exclamada durante um concerto por um mc dos Cypress Hill. Mais metafórica a primeira peça, mais tautológica a segunda, na relação entre forma e linguagem, são ambas significativas de uma tendência para uma abordagem formal reduccionista, para uma economia de meios expressivos, que atravessa o trabalho do artista e que, em determinados casos, estabelece fortes afinidades formais com o minimalismo.

A relação com o minimalismo, expressa naquelas duas obras pela utilização do rádio-gravador como forma elementar de uma construção serial, é sempre assumida numa dimensão crítica ou desviante: ao reutilizar o léxico formal característico do minimalismo, o artista contradiz, pela utilização do som e dos títulos na construção de significados, a pretensão que lhe estava subjacente (comum às tendências mais marcantes do paradigma modernista) de instituir a arte como realidade autónoma, de a definir como território liminarmente separado da realidade exterior, com a consequente repressão da subjectividade e da representação. Assim, em Black Painting (Perfect Lovers) (1997), temos uma pintura negra (citação literal das pinturas negras de Ad Reinhardt) assente sobre dois rádio-gravadores idênticos que reproduzem o som de um casal a ter relações sexuais (citação indirecta de Perfect Lovers do Felix Gonzalez-Torres). Dá-se um violento curto-circuito nas noções de transcendência e metafísica, e na correspondente experiência estética, associadas a muita da tradição da pintura monocromática, nomeadamente, às pinturas de Ad Reinhardt. Esta estratégia, expressa através da oposição não hierarquizada, e sem síntese possível, entre tipos antagónicos de valores e de experiências (espírito versus corpo, idealismo versus materialismo, contemplação versus consumo, sagrado versus profano) daria origem, no mesmo ano, a The Accelarating Collision of Past and Future in the Postmodern Era, fotografia digital que representa um Ferrari a embater contra uma pintura paisagística de Michael Biberstein, pintor contemporâneo que procurou reactualizar a tradição romântica do sublime. T (1998) é outro exemplo eloquente, no modo como a redução das formas e do som a um elemento mínimo, a primeira letra do apelido do artista, ganha uma conotação antropomórfica sob a égide da auto-representação: o espectador confronta-se com um corpo escultórico em forma de T, com a altura do artista, que emite (através de um rádio-gravador colocado no interior aberto do paralelepípedo superior horizontal) a sua voz a pronunciar de modo inexpressivo, com intervalos de 14 segundos, essa mesma letra. Refira-se, por outro lado, Whistling in the Dark (2001), que se liga a Black Painting... e The Accelarating Collision… numa espécie de trilogia, cujo denominador comum é o comentário crítico sobre a arte e a história da arte a partir de um confronto entre elementos retirados da história da arte contemporânea e outros enxertados da realidade comum: três paralelipípedos monocromáticos, pintados com as cores primárias e dispostos verticalmente, relacionam-se com um quarto paralelipípedo, um rádio-gravador preto, que debita o som do artista a assobiar um excerto do hino comunista da Internacional. Sem a agressividade iconoclasta das obras anteriores, Whistling in the Dark encerra essa trilogia como uma espécie de monumento fúnebre, de homenagem post mortem, à escultura minimalista. Poder-se-á ainda evocar o uso da cor monocromática em My Bloody Valentine (2000) e The Foyer Affair (2001), onde desempenha um papel muito activo na produção de sentido, através da sua inscrição na narrativa e da sua relação com a música.

Black Painting... e The Accelarating Collision... trouxeram para o cerne do trabalho de Rui Toscano as questões da apropriação e citação da arte. Desde então, a história da arte passaria a ser explicitamente convocada em muitas das suas obras, através de referências particulares ou genéricas, escolhidas segundo uma lógica de afinidades electivas, que vão de Ad Reinhardt a Félix Gonzalez-Torres, de Michael Biberstein a Gerhard Richter ou Bruce Nauman, da tradição da pintura monocromática ou da escultura minimalista americana à pintura romântica de paisagem.

As referências da cultura rock sobrevivem indirectamente no seu trabalho, através dos títulos de algumas obras, nos quais o artista continuou a apropriar nomes de bandas, de discos, ou de temas musicais. Em contrapartida, elas transferem-se para os Tone Scientists, projecto desenvolvido desde 1996 com Rui Valério e Carlos Roque, a partir da sua representação como uma típica banda rock.

Desde 1996, mas com maior ênfase a partir de 1999, depois de uma intensa actividade de video jamming no seio do colectivo Dub Video Connection, o trabalho de Rui Toscano tem-se desdobrado pela utilização do vídeo. São tão diferenciados os parâmetros definidos pelo conjunto desta produção (do ponto de vista dos temas, das técnicas, das soluções formais e dos quadros de referência), tão vincadas as linhas de descontinuidade que a atravessam, que se torna impossível propor uma síntese minimamente clarificadora dessa produção. O seu trabalho em vídeo permitiu-lhe fazer uma inflexão em relação ao pendor conceptual do seu trabalho anterior. É interessante verificar como a pintura se instaurou, em vários dos seus vídeos, como horizonte de construção das imagens e da experiência de percepção do espectador.

1970, Lisboa, Portugal

FORMAÇÃO

1997 - 1994
Frequência do curso de Escultura da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa
1994 - 1989

Frequência do curso de Pintura da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa
1990- 1988
Frequência do curso de Pintura do AR.CO (Centro de Arte e Comunicação Visual), Lisboa

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

2004
Sampa Works, Espacio Distrito4, Madrid, Espanha

2002
Paint it Light, Cristina Guerra Contemporary Art, Lisboa, Portugal
1, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, Portugal
2, Teatro do Campo Alegre, Porto, Portugal

2001
SlowMotion, ESTGAD, Caldas da Rainha, Portugal

1997
Abstrakt (Bild in Motion), Art Attack, Café Flôr de Liz, Caldas da Rainha, Portugal

EXPOSIÇÕES COLECTIVAS (Selecção)

2004
Trobada Entre 2 Col.leccions: Fundação de Serralves – Fundació “La Caixa”, Art Portuguès I Espanyol dels 90, CaixaForum, Barcelona, Espanha

2003
A Nova Geometria, Galeria Fortes Vilaça, São Paulo, Brasil
Post Portugal, Off Loop’ 00, Met.Room, Barcelona, Espanha
Otras alternativas: Nuevas experiencias visuales en Portugal, Museo de Arte Contemporánea de Vigo, Vigo, Espanha
Bienal de Jafre, Jafre, Espanha
Voyager, ExperimentaDesign, Barcelona, Espanha; Paris, França; Madrid, Espanha; Lisboa, Portugal
Video Invitational, F A Projects, Londres, Reino Unido
Sem Limites – Fotografia, Vídeo e Cinema na Colecção da Fundação de Serralves, Centro de Artes Visuais, Coimbra, Portugal

2002
Zoom 1986-2002, Colecção de Arte Contemporânea Portuguesa da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento: Uma
Selecção
, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, Portugal
Expect The World, Moi Non Plus, Sparwasser HQ / Parkhaus Treptow, Berlim, Alemanha

2001
High Input Low Noise, Eesti Kunstimuuseum / Rotermanni Soolalaos, Tallinn, Estónia
Arte Portugués Contemporáneo – Argumentos de Futuro, Colección MEIAC, Caja San Fernando, Sevilla, e Fundatión ICO, Madrid, Espanha
7/10 – Sete Artistas ao Décimo Mês, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal
Colectiva, Cristina Guerra Contemporary Art, Lisboa, Portugal
Streetwear, Galeria da Mitra, Lisboa, Portugal
Prémio União Latina, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal
Disseminações, Culturgest, Lisboa, Portugal

2000
VídeoLisboa 2000 – Instalações Vídeo, Palácio Galveias, Lisboa, Portugal
ZDB Go To Frisco, Sister Spaces, Southern Exposure, San Francisco, Estados Unidos da América

1999
Touch, Casa da Cultura, Cidade da Horta, Ilha do Faial, Açores, Portugal
BM99: Bienal da Maia, Fórum da Maia, Maia, Portugal
Colecção António Cachola: Arte Portuguesa anos 80-90, Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz, Espanha

1998
O Império Contra-Ataca, Galeria Zé dos Bois, Lisboa, Portugal

1997
Anatomias Contemporâneas: O Corpo na Arte Portuguesa dos Anos 90, Oeiras, Portugal
Take Off, Galerie Krinzinger, Benger Fabrik, Bregenz, Áustria
II Bienal de Arte Jovem da Maia, Forum da Maia, Maia, Portugal
II Bienal de Famalicão: Em Torno de Camilo, Fundação Cupertino de Miranda, Vila Nova de Famalicão, Portugal
X-rated, Galeria Zé dos Bois, Lisboa, Portugal

1996
Titanium Exposé, Galeria Graça Fonseca, Lisboa, Portugal
Virtual Shop, Galeria Zé dos Bois, Cutting Edge, AR.CO, Madrid, Espanha
Greenhouse Display, Estufa Fria, Lisboa, Portugal

1995
Lisboa Fora de Horas – 29.9.95, Lisboa
Heaven Inc., Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Coimbra, Portugal
Clausura – Objectos Experimentais, Galeria Satélite na Galeria Zé dos Bois, Lisboa, Portugal

1994
Qualquer Semelhança É Inevitável, Loja da Atalaia, Lisboa, Portugal
Set-up, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
Independent Worm Saloon, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, Portugal

1993
Real Rave, Cine-Teatro da Portela, Sintra, Portugal

TONE SCIENTISTS
(Projecto desenvolvido com Rui Valério e Carlos Roque, que explora a prática da arte a partir do modelo da cultura rock)

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

2001
SlowMotion, ESTGAD, Caldas da Rainha, Portugal
Sparring Partners vs Tone Scientists (split show com o projecto colectivo Sparring Partners), Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Coimbra, Portugal
1998
Live at Malibu Beach, Art Attack, Museu de Cerâmica, Caldas da Rainha, Portugal

EXPOSIÇÕES COLECTIVAS (Selecção)

2001
Squatters, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, Portugal

1998
Art Attack na ZDB, Galeria Zé dos Bois, Lisboa, Portugal
Casa de Rute, Galeria Zé dos Bois, Lisboa, Portugal

1996
Zapping Ecstasy, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Coimbra, Portugal

ACTUAÇÕES AO VIVO (Selecção)

2002
DJ/VJ set no III aniversário do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, Portugal

2001
One Listens, concerto na inauguração da exposição 7/10 – Sete Artistas ao Décimo Mês, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal

1996
Concerto no contexto da exposição Titanium Exposé, Galeria Graça Fonseca, Lisboa, Portugal

DUB VIDEO CONNECTION
(Projecto desenvolvido, entre 1997 e 2000, com João Carrilho e Rui Valério especificamente para a produção e apresentação de vídeo em espectáculos ao vivo, tanto em forma de instalação como em regime video-jamming)

2000 - 1997
enquanto video-jammers residentes do bar/discoteca LUX-Frágil em Lisboa, actuaram ao lado de djs como: Rui Vargas, DJ Vibe, Norman Jay, Kid Loco, Cut La Roc, Mark Aim, Rockers Hi-Fi, Fauna Flash, Claas Brieler (Jazzanova), Amalgamation of Sound, Rainer Truby, Alex Barck (Jazzanova), Grooverider, Cinematic Orchestra (concerto), Groove Armada, Peter Kruder, ou Richard Dorfmeister.

1999
Houseware Experience – Explorations in live mixed media, ExperimentaDesign99, Central Tejo, Lisboa, Portugal

1998
Subsonyko IV, Armazéns Abel Pereira da Fonseca, Lisboa, Portugal
Midnight Tea, Praça Sony, Expo 98, Lisboa, Portugal
3 concertos em Lisboa com o projecto de música electrónica Zzzzzzzzzzzzzzzzzp!, Galeria Zé dos Bois, auditório da FNAC, e Garage, Lisboa, Portugal

1997
X-React, Parque Automóvel Boqueirão do Duro, Lisboa, Portugal

HOUSELAB
(Colectivo composto por João Paulo Feliciano, Rafael Toral, Rui Gato, Helder Luis e Rui Toscano, orientado para a exploração das possibilidades criativas da tecnologia aplicada em eventos ao vivo, em espaços performativos, em instalações mixed-media, em experiências audio-visuais, no desenho de som, música electrónica, interactividade, e outros)

2001
Stopmotion (trabalho ainda em desenvolvimento), Festival Odisseia das Imagens – Media Lounge, Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, Porto, Portugal

COLABORAÇÕES

2001
Colaboração, integrado no “houseware experience team” (João Paulo Feliciano, Helder Luis, Rui Valério e Rui Toscano), com a companhia de dança de São Paulo Nova Dança 4, no espectáculo de dança, vídeo e multimedia Em Tempo Real, Festival Dança Brasil 2001, Centro Cultural do Banco do Brasil, Rio de Janeiro, Brasil

2000
Em Tempo Real, Encontros Acarte Brasil 2000, Sala Polivalente do CAM/Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal

OUTRAS ACTIVIDADES

1994 - 1993

4 concertos (memoráveis...) com a banda de rock experimental Gary Cooper 1991

Co-fundador da editora de música Moneyland Records