COLECTIVA 93
António Dantas, Filipa Venâncio, Francisco Clode, Lígia Gontardo e Manuel Gomes.
PORTA33 — 08.02.1993

ANTÓNIO DANTAS

Esta é a civilização da imagem, da imagem, da imagem. Mecanicamente colhidas, mecanicamente reproduzidas, proliferam incessantemente as imagens já sem dono. Estes trabalhos recuperam-nas, seleccionam, depuram dos excessos de informação, ou, por outras palavras, apropriam-se delas como de personagens encontradas ao acaso na rua, e à volta das quais se tecem ficções. Depois organizam sequências, não propriamente para contar uma história, mas para evidenciar a narratividade que a simples sucessão de imagens provoca. Cria-se o ritmo, a repetição com diferença, abre-se caminho para o vídeo que corre ao fundo da sala, também ele feito da alternância de achados e intervenções. A vantagem aqui explorada da fotocopiadora, como da câmara de vídeo, é a da imediaticidade e até da prodigalidade com que são capazes de registar, poupando ao operador trâmites morosos e complexos, é, em suma, o fascínio da acessibilidade decorrente do carregar no botão. Talvez não pareça, mas as facilidades de execução acarretam maiores exigências na selectividade do olhar.

FILIPA VENÂNCIO

Estas casas foram miniaturizadas, pela simplificação formal que as torna embalagens de vivências deixadas à nossa imaginação, porque são vistas de cima, liiputianamente, e pelo formato reduzido dos suportes. Recorrer à miniatura equivale a concentrar num foco restrito o assunto, dominá-lo melhor, a obrigar ao cuidado e à paciência que as coisas pequenas e frágeis exigem – é ter o mundo na mão para vê-lo melhor, para brincar. Em trabalhos anteriores, Filipa Venâncio rondara outras maneiras de evocar a respiração das casas: foram pinturas abstractas feitas de sons amortecidos, de brandos contactos de almofada; foram lentas construções de agulha, inspiradas em patchworks; foram representações de interiores que quase só existem na memória, acompanhados pelos ecos de uma velha telefonia. Não estarão as casas a surgir explicitamente nos trabalhos actuais apenas porque, como no poema de Ruy Belo, “Só as casas explicam que existia uma palavra como intimidade”?

FRANCISCO CLODE

Primeiro as pedras. Minimalistas, despojadas, compactas, apenas acidentes, da fluidez e da transparência da matéria pictórica dentro e fora de um contorno discreto, que sabe da precariedade do acto de definir pela linha uma qualquer forma; apenas acumulação de sinais de tinta no pretexto da pedra. Depois as ilhas. Reduzidas à sua essência, uma base pousada no sossego da horizontalidade, dois lados que se aproximam até serem negados por um vértice. E também nelas é sobretudo a errância das cores que predomina, nas suas flutuações, ocultações, escorrências, no jogo dos vestígios deixados, dos vestígios apagados. Bichos, por fim. A tentação de povoar, ou a impertinência de um animal que se intromete, com um toque sarcástico, na quietude mineral das pedras e dos lugares? E atenção aos títulos. Eles podem aludir, iludir, evocar, desvendar, esconder, desviar. Como vestígios deixados, ou apagados, na pintura, falam de intenções e descobertas, são até capazes de viver por si. Imprescindíveis.

LÍGIA GONTARDO

Humano e animal mantêm-se na temática de Lígia Gontardo, inseparáveis como se as duas faces de uma moeda pudessem ser observadas em simultâneo. Uns apresentam-se como híbridos resultados de metamorfoses, uns e ouros convivem amistosamente no espaço do quadro. Porém, ainda que existam personagens, não são contados episódios, não são inventados para elas tempos e lugares. Aquilo que acontece é a livre associação de figuras e sinais numa superfície que é valorizada enquanto tal pela organização em zonas de cor, e pelo modo como as formas nela são disseminadas. O grafismo goza de um estatuto privilegiado porque lhe compete descrever a exacta configuração das personagens, precisar feições, ou os pormenores de pelagens e de trajes, criar signos a acudir à estridência e à indefinição dos campos de cor com informações concretas. A linha, marcada a negro, grafitada, ou apenas resultante de um contraste de cores bem delimitadas, é sempre afirmativa e decisiva. Todos estes encontros se dão na profusão despreocupada de uma figuração livre, pelo prazer de ver aparecer e ganhar vida própria estes seres de um tempo em que os animais não precisavam de falar.

MANUEL GOMES

A escultura abordada desta forma, é um lugar de confronto entre o monumento e o ornamento. Há por um lado a referência à construção comemorativa, acentuadamente arquitectónica, mas não situável num tempo ou num contexto histórico precisos; com apropriações de um património universal que se tornou já para nós um esperanto. Mas no preenchimento das superfícies reina a lógica do ornamento – abrem-se ritmicamente nichos, janelas, arcos que acolhem figuras de uma escala completamente diferente e díspares também entre si. Fragmentos de estátuas e figurinhas de cariz popular recebem saborosas patines ou festivos dourados. O confronto, expresso pelas descontinuidades temáticas e formais, é, em última análise, um confronto entre os diferentes registos da memória – a do autor, a nossa. Onde a cidade para estes monumentos?

Isabel Santa Clara

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UMA ESCULTURA NA CIDADE E OUTROS ENSAIOS
Amândio de Sousa
Curadoria de Isabel Santa Clara
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