PINTURA/DESENHO
José Loureiro
PORTA33 — 26.04.1994 — 28.05.1994
jose loureiro
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José Loureiro

“Pintura/Desenho"

De início, parece particularmente operativo sublinhar-se no desenho e na pintura de José Loureiro a sua refiguração do real. Isto é, do real tal como a própria arte o figurou. Deste modo, assiste-se nas duas primeiras exposições (Galerias Ether e Diferença, Lisboa, 1988) a um envio ao Impressionismo. “Flores” e “manchas” que, mais do que revelarem uma preocupação com uma nítida representação, nos iluminam um vasto corpo de sentidos e de particularizadas emoções. O percurso de envio rapidamente se vai declarar afecto a um tom expressionista nos guaches das “bocas” (Galeria Alda Cortez, Lisboa, 1991). E em 1993 apresenta-nos o uso de uma linguagem temporalmente mais próxima, um traço onde a Pop Art se deixa insinuar através da repetição em superfície de objectos ou no isolamento de um só objecto que domina todo o espaço em flagrante delito de prestígio e ilusão. Não que esta aplicação, este aproximar a impressionistas, expressionistas e artistas Pop surja como um compromisso formal. Ele tem antes um sentido funcional e aparece como uma procura que traz para o papel ou para a tela um fazer de diversas maneiras. As características daquilo que se desenha aproximam-se muito mais de extensões de objectos e de correspondências de “estados” de figuras, do que desses mesmos objectos ou figuras. Procuram-se confirmações de uma “primeira face”, instancias de uma significação ou mesmo de uma crença e não a imediata aceitabilidade do objecto ou da quantificada figura.
Nestes trabalhos recentes parte-se para uma distinção do real. Caminha-se para uma interpretação de imagens, na sua maioria citadas a partir de Roy Lichenstein. Intimidade e espectáculo são o representável. Vindas de um anterior desenho, passaram agora ao domínio da tela as duas pinturas (132x164cm) que dualizam sofás. Na variação da cor – rosa-tijolo e branco -, simulam o fascínio de um passo que, como se de ilusionismo se tratasse, quase se pretende que não seja verdadeiro nem falso. Somente imagem. Imagem que na expansão do tema vegetal do pintado tecido se quer como condutor de repetição. Institui este “jogo” de duplos um primeiro e um segundo grau, como se a imagem fizesse a semelhança (dos objectos entre si) e um platónico simulacro estabelecesse, pelo seu lado, uma entidade comum com o real. Através deste segundo momento a cadeira surge como arquetípica, como um hipotético modelo.
Este sentido de revisão, que vai de um sofá para outro sofá dentro do mesmo espaço pictórico, depressa se expande ao “lugar” da tela vizinha, na qual, por contraste da cor se desenvolve em simetria um quase princípio da realidade; mas o real não é objectivo porque se deixa trair no seu domínio exclusivo e unitário. Os “sofás” estabelecem-se aos pares e a partir de uma realidade originante – imaginária – projectam-se através de um número de cópias que pode ter ou não um limite. A sua imagem reproduzida e elaborada não resulta de uma objectivação, mas tão só de uma comunicação visual que se constitui, ela sim, num momento de realidade. No seu reencontro, na fascinação do seu modo reprodutor, reside a sua formação de “verdade”, a sua autonomia.
Este dentro e fora do objecto pintado, esta comunicação com as coisas e os “seres” da pintura, (que transportam hoje para as telas de José Loureiro “fantasmas” da pinturas do norte americano Roy Lichenstein, tornando-os “vivos”, podem amanhã tomar o nome de Rembrandt, Goltzius ou Poussin, entre os antigos, ou de Rothko, Freud oy Ryman entre os contemporâneos. É o domínio da vontade a jogar com o domínio da liberdade e o da sujeição.

“Não-objectivo I, a partir de R.L.” (122x144cm) reflecte uma terceira leitura. É um Mondrian post-Lichenstein. A semelhança entre o “real” Mondrian desenvolve-se com a confiança e a angústia do simulacro. No entanto, a (in)fidelidade da cópia – introduzida, logo, pelas dimensões -, que remete a um princípio da repetição, deixa-se destruir, deixa-se deformar como fabrico de imagem pela presença de um princípio de prazer. O simulacro perde o seu nome, afasta-se da sua especificidade fantomática, para adquirir um momento de realidade impresso na grossura dos traços que separam as coloridas e frias geometrias sem o sentido da linearidade.
Esse grosso cordão separador introduz autonomia e distância no Mondrian de Lichenstein. É um pouco como quem projecta na história da pintura uma dramatização (humana) feita de conflitos, emoções, paixões e, também, de apaziguamentos. Esse engrossado traço remete para o esborrachamento que estava nas “flores” (1988) e nas “bocas” (1991) e também aqui exprime uma maneira determinada de “aparecer”.
Uma parte importante dessa aparição, desse ordenamento do ver pertence à vida das imagens, à sua história de referências e de envios. É a condição “nocturna” da imagem: acumulação de saberes que dão forma à representação dos seus “demónios”. De outra parte, e não menos importante, situa-se a determinação do que numa obra é novo e do que nela se manifesta como individuação. Cria-se um espaço geográfico, um lugar de paisagem nos quais o tumultuoso não se explicita tão directamente como sistema de referencias; e onde podemos ver surgir, por exemplo, o quadro “Bola de Golf”, a partir de R.L.” (81,5x81,5cm) em que se respeitam as próprias dimensões de tela de Lichenstein. A partir da projecção da imagem inicial o elemento pictórico vai preencher a mínimo ponto da tela. Nesta figura (de pintura) residirá a dimensão da sua existência, nova e segunda.
Os espectros são as visitas de uma anterior paisagem no espaço geográfico desta elaborada pintura. Na série das “Palavras cruzadas”, cinco telas em que nenhum dos tons é homogéneo e que surgem nas dominantes castanho, ocre, vermelho e cinzento, introduzem-se obsessivos círculos, a par do arrastamento da tinta. São “lixo” e são fantasmas e percorrem a “escrita” quadriculada da pintura. Têm consigo a indefinição do sonho, pois negoceiam, na teia da figuração, uma representada obscuridade. Expandem o seu jogo nas casas a cheio a cheio e nas casas vazias das “palavras cruzadas”. A regra, a palavra exacta traz consigo o anular de um mistério, torna fixo o que foi figura movente e espectáculo de sombra. A procura de uma equivalência limita, reduz uma presença adversa.
A “pulsão do olhar” guarda os verdadeiros rostos e as suas determinações aparentes. Protege, de certo modo, a cortina de objectos que nos rodeia e que, de nós, somente aguardam que sejam nomeados, que lhes atribuamos um sentido para a sua irrealidade: pistolas, cadeiras, esmaecidos quartos de banho que no alinhamento dos seus azulejos se deixam seccionar pelo grosso cordão, que também separa, a negro, a geometria de Mondrian ou a quadrícula de uma pintada página de palavras cruzadas. Nestes trabalhos, José Loureiro marca, declarativamente, um modo, uma articulação. Ele faz de um passado enunciado uma nova e sugestiva resposta. E se Lichenstein soube encontrar a verificação da verdade de uma pintura de Mondrian, José Loureiro incorporou essa segunda verdade nos limites da sua linguagem pictórica. Relativizou essas duas presenças; potencializou essas duas anteriores “paisagens”. Deu-lhes um novo contorno. Introduziu-lhes a necessidade de uma nova natureza: a da sua pintura, a do seu desenho.

João Miguel Fernandes Jorge

José Loureiro, Mangualde, 1961. Curso de Pintura. E.S.B.A.L.. 1987.
Exposições colectivas: 1987 - V Bienal de Vila Nova de Cerveira: KIASM "Création Plastique/Lisbonne, Nápoles; "Verde Muco", E.S.B.A.L.: "Manobras do Século", Lisboa. 1990 150 Aniversário do Montepio Geral, Lisboa: Arte Portuguesa em Marrocos, Rabati V Bienal de Lagos. 1992 Arte Contemporânea Portuguesa na Colecção da Fundação Luso-Americana, C.A.M.. Fundação Calouste Gulbenkian. 1993 ARCO, Madrid. 1994
-"ARCO", Madrid..
Exposições individuais: 1988 Graffiti Now. Verona: "José se quiseres come as sardinhas todas". Ether, Lisboa: "Lumarén, Galeria Diferença. Lisboa. 1990 "O Juramento". Galeria Diferença. Lisboa. 1991 - Guaches. Galeria Alda Cortes, Lisboa. 1992 Pinturas, Galeria Alda Cortez, Lisboa. 1993 Desenhos. Galeria Alda Cortez, Lisboa. Colecções Públicas: Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa: Fundação Luso-Americana. Lisboa.

APOIOS


GOVERNO REGIONAL DA MADEIRA
HOTEL SAVOY
TAP-AIR PORTUGAL (DELEGAÇÃO MADEIRA)
GRAFIMADEIRA
LOMELINO & MACEDO DIÁRIO DE NOTÍCIAS — MADEIRA

Exposição organizada em colaboração com a Galeria Alda Cortez

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