Edgar Martins
Como posso ver o que vejo, até saber o que sei?

“‘Tudo quanto seja direito é mentira’, murmurou com desprezo o anão.
‘Toda a verdade é curva, o próprio tempo é um círculo.’’
1

Em Junho do ano corrente cheguei ao fim de um programa de residência artística num dos mais singulares habitats naturais do mundo, na Florida, Estados Unidos. Foi por essa altura que a inesperada (ou eminente, se acreditarmos nos boatos) morte de Michael Jackson e a consequente saga monopolizaram o tempo de antena.
Depois de ter batalhado com um território infestado por mosquitos durante dez dias, acabei por sucumbir à exigências idiossincráticas de menino-urbano-tornado-antropofóbico e arranjei um quarto num hotel em Miami Beach.
Enquanto via as notícias na CNN, calma e reticentemente, uma parte do meu cérebro completamente desligada apercebeu-se de que a história já não era linear. No mundo pulsante dos sistemas numerais binários em que vivemos, a história é feita, negada e reinventada em menos de um minuto.
Os meios de comunicação social modernos já não se cingem a relatar acontecimentos e a comunicar ideias. Enquanto o fazem, e em tempo real, eles também expõe inadvertidamente os processos que são a base de toda a comunicação e da condição humana. Por mais contingente e contraditória que a maior parte da informação apresentada seja, ela revela uma realidade polimórfica, multiforme, um mundo de fluxos e correntes num estado perpétuo de transformações incertas, e no qual a busca incessante por respostas apenas nos levam a novas questões.
Não posso deixar de estabelecer um paralelo entre esta observação e o trabalho que produzi (e talvez a um nível diferente, com os relatos e posts em blogs em torno do assunto presente).
As imagens e as construções que criei são alusivas a processos que definem mecanismos de resposta em tempo real aos espaços que fotografo. Mas o que me move aqui não se trata de assegurar a autoridade artística.
Observar estas fotografias é como ser-se permitido um lugar da nossa própria exclusão. Compreender a forma como são produzidas é pôr em questão toda a complexidade do inconsciente colectivo. O trabalho, em si, expõe implacavelmente as inadequações da fotografia, as suas insuficiências.

 

Ainda que esta seja a forma como gostaria de contextualizar os meus processos de decisão, temo que não seja suficiente para alguns dos leitores.
A verdade é que no âmago deste assunto não se encontra um debate sobre decepção ou uma falha de representação, nem um debate no qual a Arte e o Jornalismo existem numa “rivalidade febril”, para citar Susan Sontag. Afinal de contas, Peggy J. Bowers afirma, em Through the Objective lens: The ethics of expression and repression of high art in photojournalism’2 , que, apesar dos abismos ontológico, epistemológico e moral referentes à verdade, verosimelhança e autenticidade que os separam, o Jornalismo e a Arte têm empregue os mesmos métodos de expressão artística ao longo de muitos anos (com a única diferenciação de que num contexto isso se cumpre explicitamente, e noutro implicitamente – e não, não me estou a referir à utilização do Photoshop).
Estava eu consciente do contexto em que o meu trabalho seria apresentado e percepcionado? Tinham-mo comunicado com antecedência? Terão as minhas acções sido um gesto de provocação, de exploração de um propósito obscuro, de ir ao encontro de um briefing pouco claro ou de um idealismo ingénuo? Estava informado dos princípios éticos que enquadravam os jornalistas? E, além disso, as construções contribuem ou antes invalidam a história contida na fotografia?
Sei que este projecto e que o modo como as coisas se acabaram por desenvolver levantaram muitas ideias... como dizer?, bom, sobre ideias e outras questões em torno de limites e parâmetros. Todavia, gostaria desde já de esclarecer dois equívocos muito importantes.
Penso que não deformei o The New York Times de nenhuma maneira no trabalho que produzi nem, além disso, a minha própria obra.
Reconheço que a alteração digital de fotografias, em si mesmo, não é um problema quando elas são apresentadas num contexto não-indicial. No entanto, para além da ilustração, do trabalho de moda e do projecto ocasionalmente relacionado com o retrato, quantas vezes são os assuntos de pendor sócio-político conceptualizados e entendidos fora do alcance do foto-documentário canónico?
Ainda que os pormenores do meu contrato com o The New York Times tenham levado a muitas discussões, exames e conjecturas, penso ser de maior importância a necessidade de renegociar os termos do contrato maior entre o autor/jornal/leitor.

 

Durante os últimos 20 dias, trabalhei intimamente com os editores do blog Lens, do The New York Times, com o objectivo de tornar acessíveis aos seus leitores uma selecção de imagens, assim como permitir-lhes uma perspectiva mais próxima dos meus métodos de trabalho. Estas imagens foram escolhidas para ilustrar conceitos-chave  que acentuarei no presente ensaio.
Naturalmente, senti-me desiludido com a introdução ao slideshow, a qual, tal como o texto original publicado na revista, não passou nem pela minha leitura prévia nem pela minha aprovação.
Estou em crer que houve um óbvio mal-entendido no que diz respeito aos valores e direitos associados ao processo criativo que levaram a The New York Times Magazine, uma publicação de referência e renome, a estenderem um convite a um artista, como eu, para representar uma perspectiva muito específica da realidade sem que tenha tomado as medidas necessárias para assegurarem que eu estava a par dos seus parâmetros e limitações jornalísticas.
Por outro lado, eu não os tomei como uma fronteira válida.
No texto introdutório à história, o meu trabalho foi definido como “com longas exposições, mas sem qualquer manipulação digital”. Infelizmente, esta informação não é de todo correcta. Das 13 imagens apresentadas online, apenas 5 foram criadas através de longas exposições. Das 73 imagens que produzi, apenas 15 são fruto da técnica de longa exposição.
A 24 de Junho de 2009, pelas 22:51:41 do Horário de Verão de Inglaterra, dois dias antes da publicação do projecto, enviei um email ao editor do New York Times com uma sinopse que havia incluído na página de introdução de uma maquete de um livro que tinha produzido com este trabalho. Este mono tinha igualmente sido apresentado a uma editora conceituada. O texto terminava com as seguintes palavras: “Num estudo que vai além da pura pesquisa e documentação formal e factual, este tabalho catalisa e reunifica novas experiências de uma nova forma da arquitectura americana: ‘as ruínas de uma idade d’ouro’”.

 

Aceito como facto a natureza probabilística do universo. Tal como no campo da Física, o Princípio da Incerteza quebrou o movimento das partículas em funções de probabilidade, o meu ponto de partida em Fotografia, em qualquer projecto, é que toda a realidade é manipulada, todos os factos são uma construção, moldados por aqueles que os documentam.
Em muitas outras ocasiões, expus a minha preocupação sobre o modo como a vasta maioria do Fotojornalismo é incapaz de representar os processos, sejam estes aqueles que levam ou subjazem ao acontecimento coberto, sejam processos de assimilação, apropriação e comunicação do real pelo fotógrafo. Talvez isto esteja relacionado com a Fotografia ou com a incapacidade da imagem singular em repre- sentar o tempo. Talvez porque para os jornalistas, a realidade objectiva é não apenas alcançável como até mesmo manifestável através da veracidade da lente – a fotografia “irrefutável”. Ou talvez porque no processo em si não há qualquer verdadeiro resultado... tão-somente um conjunto de proposições.
Sempre acreditei que mesmo num contexto editorial deveria existir uma tentativa em levantar questões sobre o processo de comunicação de ideias. O que se relaciona com o potencial latente das limitações da Fotografia.
Estas fotografias não são mais comentário do que observação. São meta-fotografias.
Elas desencadeiam a metáfora da batalha entre a falha poética e a promessa de êxito em sugerir um lugar incerto do seu futuro.
Porém, e como correctamente o expõe Peggy J. Bowers, as metáforas estão mais próximas da ficção do que da realidade, convidando assim a toda uma forma de questionamento muito contrária à figura de estilo favorita do Fotojornalismo: a metonímia.
Bernardo Soares (um dos muitos heterónimos de Fernando Pessoa) escreveu que “algumas verdades não podem ser ditas senão em ficção”. Talvez seja o caso mesmo de que algumas verdades são melhor ditas enquanto “ficção”3.
O Fotojornalismo nunca sentiu a necessidade de pôr em questão ou de desafiar certas regras, sejam estas estéticas ou éticas. No entanto, há no seio desse enquadramento  uma busca constante, já para não falar de uma necessidade real, por novas formas de assimilar e representar o real.
Apesar de não subscrever a noção de que não interessa o que um fotógrafo sabe ou em que é que acredita, o que importa é que ele ou ela criam imagens que ajudarão outros a articular ou a desafiar as suas próprias crenças, o que eu propunha com este trabalho não era nem deliberar sobre a condição do Fotojornalismo nem sobre a necessidade de reivindicar a autoridade artística das imagens.
Estaria eu consciente do modo como a história seria apresentada aos leitores? Não serão algumas das construções suficientemente  evidentes que abririam um caminho de questionamentos, bem mais rapidamente do que viria a acontecer? Entenderei eu a decisão do The New York Times em retirar o slideshow do seu portal? Haveria uma outra maneira de ter resolvido este assunto? Será que estas construções expuseram uma forma de trabalhar por parte do artista que nunca antes tinha sido anunciada? Seria esta a melhor plataforma para iniciar qualquer tipo de debate?
Penso que é mais pertinente perguntar o seguinte: poderemos nós olhar uma imagem a um só tempo enquanto facto e construção, e estarmos cientes dos processos que subjazem nela? Penso que sim.
E invalidará isso o propósito jornalístico? Não sei.
Se bem que dê as boas-vindas ao debate que agora ocorre, não pensei que ele se viesse a centrar em polaridades tão cruas tais como ético/não-ético, verdade/mentira, real/irreal.
A fotografia é um simulacro. Ao reconstituir o seu objecto, como argumentou Barthes, cria um novo mundo, que não procura duplicar mas tornar visível.4 
Toda e qualquer construção tem o seu próprio propósito. Tal como toda e qualquer imagem factual. Juntos, formam uma espécie de síntese. Factual e metaforicamente, ambos permitem que um e outro criem uma realidade temporal mais alargada.
Uma realidade que não se pode identificar nem negar na totalidade.
E não poderemos negligenciar que uma observação é ela mesmo uma síntese entre aquilo que percebemos, que percepcionamos e aquilo que conceptualizamos.
Numa sociedade em que a comunicação visual é preponderante, a transparência da câmara promove expectativas inalcançáveis. Como observa ainda e acertadamente Peggy J. Bowers, isso é um desserviço ao público. “E contribui para uma cultura voyerística que usa e observa as imagens sem quaisquer cuidados, gratuitamente”5 .
Na minha perspectiva, esta atitude para com a Fotografia é igualmente um desserviço ao Jornalismo.

 

Ainda que seja verdade que o meu trabalho se defina, na sua maior produção, por processos sem recurso ao computador, não é totalmente correcto, porém, afirmar que sempre assumi posições puristas em relação à Fotografia.
Projectos anteriores, tais como O Ensaio do Espaço (2005-06, sobre fogos florestais em Portugal), Paisagens do Além: o Problema da Objectividade (2006-07, sobre regiões de glaciares em recessão na Islândia) e Aproximações (2006, uma série sobre aeroportos) lidavam com uma abordagem muito mais convencional do meio. A realidade é tratada menos como uma construção, mas os próprios títulos poderão sugerir que existem outras questões envolvidas para além do visível.
Entendo a Fotografia como um meio complexo que diz respeito a uma vasta latitude de processos e mecanismos.
Paulatinamente,  tenho utilizado mais e mais variadas técnicas, analógicas experimentais e também digitais, para transmitir ideias e simplificar a minha linguagem visual em geral. O mesmo pode ser dito de muitas fotografias que exemplificam uma simetria impenetrável (e não, não me estou a referir a projectos como O Teórico Acidental).
Estas imagens estão presentes em vários anteriores projectos de trabalho, e são claramente distinguíveis das restantes fotografias destas séries.
Elas servem o mesmo propósito temático que as primeiras imagens do fogo que alguma vez tinha produzido (ainda que não se tratem da série sobre fogos florestais, mencionada atrás).
Na obra de Bachelard intitulada A Psicanálise do Fogo, o fenómeno do fogo é apresentado como o elemento primevo do sonho, um objecto de essência consumível no qual somos capazes de nos vermos a nós mesmos. Uma metáfora para a performance, o fogo é ainda associado ao processo de mudança – Bachelard indica como “tudo aquilo que muda rapidamente pode ser explicado pelo fogo”6.
Os fogos publicados na minha primeira monografia, Buracos Negros e Outras Inconsistências (e muito contrariamente ao resto do meu trabalho dessa série), foram encenados – algo que sempre deixei bem claro publicamente. Por mais ambíguo e fora deste mundo que o resto do trabalho pareça ser, estas imagens destacam-se pela sua destreza visual. São distintamente construções, tanto quanto as fotografias espelhadas incluídas no slideshow retirado do portal do The New York Times. São afirmações hiperbolizadas.
Não obstante, ao passo que os fogos (tal como muitas das construções mais subtis criadas para esta encomenda) funcionam como alegorias – representando a metamorfose que toda e qualquer realidade atravessa sempre que é observada (será esta uma outra apropriação romântica do Princípio de Incerteza de Heisenberg?), o espelhamento de algumas imagens serve uma outra função. A realidade é frag- mentada, repetida, polarizada. Apresenta-se o dopleganger (duplo).
O dopleganger tem vindo a tornar-se uma presença cada vez mais marcada em trabalhos recentes.
As simetrias envolvidas nas minhas imagens não apenas operam a um nível visual, mas estão intrincadamente associadas à filosofia que fundamenta o trabalho.
No seu livro Notes on a Visual Philosophy, a artista Agnes Denes refere-se à simetria “como um modo de dar forma a processos invisíveis como evolução, alteração de valores humanos, processos de pensamento, contradições humanas".
“Ajuda-nos a cartografar a perda que ocorre na comunicação, isto é, entre o observador e o artista, entre o dador e o receptor, entre significados específicos e símbolos, entre nações, épocas, sistemas e universos”7.
Concordo com estas observações.
Os seres humanos passam as suas vidas na busca de alcançar uma totalidade quando isto vai contra os seus sistemas de percepção, e os seus homólogos cognitivos, de entre os quais certamente a linguagem.
Para Lacan, é a fase do espelho, um dos constituintes primeiros da identidade (melhor compreendido como uma metáfora da subjectividade), que oferece um sentido imaginário de “totalidade” à experiência da realidade fragmentária.
A fase do espelho, para este psicanalista neo-freudiano, institui o ego como intrinsecamente  dependente de um Outro.
O conceito da falha ou falta, tão essencial para a consciência e o comportamento  humanos, é assim crucial na obra de Lacan.
A simetria ajuda-nos a cartografar os parâmetros da existência e da comunicação humanas, sobretudo as suas inconsistências, o seu ímpeto dialéctico.
Para mim, também acentua que “a interpretação da realidade pela câmara terá sempre de ocultar mais do que revela”8  e que na presença da lente o objecto fotográfico “adopta instantaneamente outro corpo, transformando-se com antecedência em imagem”9.

 

Num mundo com acesso rápido à informação, podem por vezes formar-se truísmos com base em buscas intermitentes e indolentes na internet.
Alguns acharam difícil reconciliar o uso da tecnologia digital num trabalho para o The New York Times com o facto de que eu teria indicado, noutros contextos, que não recorria a processos digitais, particurlarmente numa monografia intitulada Topologias, publicada pela Aperture Books, em 2007.
Uma pesquisa mais cuidadosa teria revelado que em monografias ou em material publicitário para exposições a meados de 2006 evito sempre discutir o processo de produção. Neste contexto, fazia sentido incluir imagens construídas, que aumentariam as propriedades ficcionais do trabalho.
No entanto, em 2006, o meu trabalho passou a envolver-se com questões relativas à construção e teatralidade, mas sem que tivesse recorrido a construções efectivas, fossem estas físicas ou digitais. Diferentemente de outros trabalhos anteriores, senti, particularmente com a série O Teórico Acidental, que precisava de estabelecer uma ligação com a realidade logo à partida. Poderia então fazer desviar o espectador de uma qualquer ideia de que estavam a observar uma construção, um pastiche de realidades fragmentárias ou imaginárias.
Manter as reivindicações implícitas de verdade, indubitavelmente poderosas, da fotografia analógica é uma forma de recuperar a realidade. O trabalho procura pelo observador, envolve-o e pede-lhe mais tempo.
A série depende da ancoração provável da fotografia no real.
Mas há uma sugestão perturbante de que isto não é bem o que parece. O momento em que se reconhece de que há algo mais, o momento extremamente crucial da suspensão da incredulidade, é o ponto mais alto que se pode vir a atingir.
Este processo de revelação lento e sentido de manipulação temporal é de uma importância central para o trabalho.
E é por essa razão que, na monografia Topologias, e de um modo contrário a trabalhos anteriores, decidi divulgar alguma informação no que dizia respeito aos relevantes processos de produção. O trabalho é produzido analogicamente, retratando paisagens encontradas, e utilizando somente a iluminação disponível.
Estou em crer, como sempre, que fazer uma distinção entre a maior parte do trabalho e uma minoria de imagens que necessitaram de algum tipo de mediação/restauro digital é completamente irrelevante. Afinal de contas, não se trata de revelar, omitir ou negar o processo, mas sim incitar o espectador a uma espécie de dialéctica, que o fará entregar-se de modo mais activo às imagens.
Articular, questionar e desafiar este processo, é o papel do espectador.
No fim de tudo, uma fotografia é silenciosa e apenas pode ser confrontada visualmente.

 

Penso que não contribuí inadvertidamente para uma percepção errónea, que alguns formularam, em relação às minhas posições sobre a tecnologia digital.
Percebo que cultivei a experiência do ilusionismo (algumas pessoas perguntam-se mesmo se não a levei demasiado longe), omitindo legendas precisas, utilizando heterónimos, criando propositadamente construções singular e altamente simétricas num conjunto de trabalhos fotográficos, de resto, bastante convencionais, utilizando longas exposições para retratar fenómenos mundados e paisagens ou cenários encontrados de uma maneira que quase raiam a magia.
Será possível que o próprio artista pode começar a perder a noção do real e das fronteiras entre a objectividade e a ficção, da realidade e a sua imagem, que começam a embaçar-se, confundir-se, sobrepor-se?
Apenas posso esperar que sim.
A fotografia não é simplesmente uma forma primitiva de teatro. Na melhor das hipóteses, é um espectáculo para o olhar e a mente.
“Não acredites no que digo”, sussurrou um homem vestido de modo estranho, quando eu entrava no teatro. “Porque digo o que digo para que possas observar mais de perto”.
Esta é, assinalavelmente, a única memória que tenho do único acto de magia que tive o infortúnio de assistir. O acto, assinalavelmente, começou mesmo antes do pano subir e do público se sentar nos seus lugares.
As discussões sobre processo são totalmente irrelevantes no mundo de hoje.
No que me toca a mim, sinto-me bem pelas minhas imagens serem de novo observadas com um certo grau de “cepticismo”. Talvez agora a atenção se mude do “como” para o “porquê” (...pelo menos, eventualmente...).

 

Reconheço que quando o contrato entre autor/jornal/leitor é quebrado se está a negar a própria raison d’être do jornal, e isso aliena o seu público.
No entanto, e para parafrasear um comissário que teceu recentemente um comentário sobre este assunto, não acredito que o The New York Times me tenha encomendado algo por o meu trabalho ser definível pelo uso de “longas exposições, sem qualquer manipulação digital”, mas porque a força do trabalho reside precisamente na ilusão da transparência fotográfica.
Entendo perfeitamente a imperatividade de proteger o jornalismo e os seus princípios éticos.
Todavia, da mesma forma que um jornalista assegura a sua autoridade cultural através da relação íntima com a verdade, seria possível para um artista plástico, como eu, apresentar as suas próprias perspectivas como obsoletas, e avançar sobre este projecto de qualquer maneira que não a sua forma presente?
Penso que, se tivesse feito isto, aí sim estaria a deturpar o meu trabalho, assim como o próprio espectador.
Tal como a “transparência da câmara pode representar a honestidade daqueles que a empunham”10 , também o pode a sua ambiguidade.

 

Como é sabido, Lewis Hine disse que embora as fotografias não mintam, os mentirosos podem fotografar.
Esta observação, ou mais, esta polémica, aponta para uma condição muito particular da contemporaneidade, uma sociedade que é particularmente sensível sobre as suas próprias crises. Vivemos num mundo afectado pela incerteza pós-moderna, pelo niilismo (pós?-)capitalista, e pela dúvida pós-colonial. “O centro já não se sustém”.
Para o sociólogo Zygmunt Bauman, em nenhum outro momento da civilização ocidental moderna nos sentimos tão livres para nos expressarmos, mas ao mesmo tempo limitados, desesperançados diante de ambivalências existenciais desconcertantes.
Numa sociedade assombrada pela mobilidade, por uma passagem que não se estabelece por ser veloz, mas por ser intangível e incerta, nunca atingida, resistimos a este processo de relativização através da manutenção de certos arquétipos míticos.
Os arquétipos míticos são empregues na fotografia como um meio de propagar e de lidarmos com a questão da verdade.
A confiança que depositamos na fotografia enquanto meio de comunicação do real, advém, em parte, da nossa convicção (inconsciente) em arquétipos míticos como verdades universais.
Embora a fotografia ainda delimite áreas de contestação, sobretudo quando se imbrica num debate político, científico ou jurídico [o antropólogo português Nuno Porto, citando o autor John Tagg explica que a “imagem fotográfica que confirma ou infirma a norma jurídica não o faz por características intrínsecas das imagens, mas pela sua participação num conjunto de práticas sociais onde fotografia e discurso (legal) constróem sustentabilidades mútuas”11 ], quando se questionam os elos inexoráveis da fotografia com o real é como se se questionassem os últimos instrumentos disponíveis dos defensores do mito e verdade.
Os defensores e divulgadores do mito têm um grande poder de influência sobre a cultura. Em outros tempos, este era um papel apenas nas mãos das autoridades religiosas. Nesta nossa sociedade mais secular, são os jornalistas que muitas vezes tomam esse lugar.
Segundo Robert Darnton, dada a nossa tendência em vermos acontecimentos imediatos, e não processos a longo prazo, estamos cegos em relação ao enquadramento  arcaico do jornalismo. Mas a nossa própria concepção de “notícias”, de “novidades”, resulta de formas antigas de contar histórias.
Poderia muito bem ser o caso de que, ao passo que os arquétipos mantêm a sua eficácia, o nosso entendimento das representações arquétipas encontra-se em permanente mudança. Os fotojornalistas, dado cobrirem assuntos contemporâneos, revitalizam constantemente  o seu inventório de símbolos, e por isso asseveram o seu próprio papel de comunicador eficiente com o público.
Se a nossa noção de realidade depende das nossas medidas, cultura e história, decorreria daí que a nossa noção de verdade seria igualmente um produto desses factores. Se virmos a realidade através deste quadro de referências, e os quadros de referências se alteram ao longo do tempo, será plausível afirmar que as nossas ideias de verdade também se alterarão ao longo do tempo.
Sob esta perspectiva, a verdade é apenas uma outra medida contextual, com a qual julgamos a realidade. A fotografia, enquanto reflexo mas também manipulação da realidade, é vista e julgada da mesma forma por essa perspectiva.
Ainda assim, algumas pessoas parecem estar organizadas em torno de uma só forma de entender a verdade.
O filosofo britânico John Gray crê que a linguagem está na origem da ilusão do eu. Segundo Gray, “agimos com a convicção de que somos um todo unificado, mas apenas conseguimos lidar com as coisas à nossa volta por sermos uma sucessão de fragmentos, um ‘ensaio de continuidades’”. Estamos programados para ancorar a nossa existência em verdades, certezas e finalidades quando só há mudança. Gray adianta ainda que “não podemos observar as mudanças que ocorrem incessantemente em nós mesmos, pois o eu que as observa vem e vai num piscar de olhos. A vida interior é demasiado subtil e fugaz para poder ser conhecida em si mesma.” Talvez por este motivo a vida exterior se nos apresenta como igualmente imensurável. O “eu fictício” necessita, pois, de “ficcionalizar o real para assim o pensar”12 . O grande desafio, portanto, é traçar um rumo, uma vivência, uma existência na contingência de um mundo alicerçado em forças ambivalentes, contradictórias – e sempre olhando, percebendo, questionado as nossas certezas, convicções e pressupostos lógicos, éticos, religiosos, jurídicos.
No projecto Ruins of the Gilded Age estamos a ser confrontados não somente com imagens de espaços particulares, únicos, mas imagens de conjuntos espaciais, uma espécie de palcos nos quais um substancial número de narrativas muito diferentes (e talvez até mesmo incompatíveis) podem ser encenadas.
Este trajecto poderá estar relacionado com o conceito de Foucault da heterotopia, revelando, paradoxalmente, “uma forma de se sentir sem casa, sem vontade de regressar a casa – uma forma dissidente de nostalgia”13 . Revela um mundo de referentes sempre distantes, visto “por um forasteiro, um estranho”14.
A verdade fotográfica, tal como todas as outras verdades, é dependente da cultura, das crenças, da história e da natureza humana.
Algumas verdades são efémeras, enquanto outras se mantêm constantes. Mas mesmo as verdades imutáveis, que tendem a reflectir dimensões básicas e contínuas da vida em sociedade, estão a ser constantemente  desafiadas.
Uma fotografia de notícia deveria, portanto, ser não apenas uma imagem factual que representa um acontecimento isolado, mas deveria de vez em quando ser um modo de narrar uma história que incorpore ideias de verdade, realidade, sistemas culturais de valor, e, acima de tudo, percepção, com todas as suas variantes e problemáticas, contradições e ambiguidades.
Ruins of the Gilded Age emerge precisamente nessa conjuntura onde as palavras nítidas falham, atirando-nos para a exploração dos limites, do horizonte, das fronteiras instáveis; para as antinomias da percepção e da existência, convidando-nos  a melhor entender a complexidade dos trajectos e uma certa ambivalência e variedade do mundo. O significado do mundo já não está presente na sua superfície, se é que alguma vez esteve.

 

Edgar Martins
29 de Agosto, 2009

(para aceder a uma selecção de imagens referentes a este projecto, visite por favor o site www.edgarmartins.com)

 

1
 (Nietzsche, Friedrich, Thus Spoke Zarathustra Part 111: Of Vision and the Riddle in ‘A Nietzsche Reader’, Penguin, London, 1977, p. 251)
2
  (Bowers, Peggy J, Through the Objective lens: The ethics of expression and repression of high art in photojournalism in American Communication  Journal, Vol. 10, Issue S 200)
3
(Pessoa, Fernando, The Book of Disquiet, Penguin Classics, 2002 [first published in 1983])
4
 (based on a statement by Barthes, Roland, The Structuralist Activity, Kursbuch, May 1996, p.190)
5
 (Bowers, Peggy J, ibid)
6
 (Bachelard, Gaston, The Psychoanalysis of Fire, Beacon Press, January 1987)
7
 (Denes, Agnes, Notes on a Visual Philosophy, Published in Hyperion: On the Future of Aesthetics, a web publication of The Nietzsche Circle: www.nietzschecircle.com, October 2006)
8
 (Sontag, Susan, On Photography, London, Penguin, 1977, p.11)
9
 (based on a statement by Barthes, Roland, Camera Lucida, Reflections on Photography, London, J. Cape, 1982, p.10–11)
10
 (Bowers, Peggy J, ibid)
11
 (Porto, Nuno e Amaral, Ana Rita, The Diminishing Present, em The Diminishing Present de Edgar Martins, The Moth House 2006)
12
 (Porto, Nuno e Amaral, Ana Rita, The Diminishing Present, em The Diminishing Present de Edgar Martins, The Moth House 2006)
13
 (Osborne, Peter D., The Accidental Theorist, em The Diminishing Present de Edgar Martins, The Moth House 2006)
14
 (Osborne, Peter D., ibid)

How can i see, until i know i know?

“‘Everything straight lies’, murmured the dwarf disdainfully. ’All truth is crooked, time itself is a circle.’"1
In June this year I completed the fist stage of an artist-in-residency program at one of the most unique natural habitats in the world, in Florida. It was at this time that Michael Jackson's untimely death (or imminent -if you believe the rumors) and subsequent saga started monopolizing all air time. Having wrestled with mosquito infested lands for the best part of ten days, I finally succumbed to the idiosyncratic demands of a city boy turned anthropophobic and booked myself into a Miami Beach hotel. Whilst quietly and reticently watching CNN, in an entirely unconnected part of my brain I realized that history was no longer linear. In the pulsating world of binary number systems that we live in, history is made, negated and reinvented, all in the space of one minute. Modern media no longer just report events and communicate ideas. While doing so, in real time, they also inadvertently expose the processes, which underpin all communication and human condition. As fraught and as contradictory as much of the information being portrayed often is, it reveals a polymorphic and multiform reality, a world of flux and flow that is in a perpetual state of uncertain transformation and where the constant search for answers only leads to more questions. I can't help but draw parallels between this observation and the work I produced (and perhaps, on a different level, to some of the reporting and blogging surrounding this issue). The images and constructions I created allude to processes that define real time response mechanisms to the spaces I am photographing. But this is not about asserting artistic authorship. To look at these photographs is to rehearse one’s own exclusion. To understand how they are produced is to call into question the complexity of a collective unconscious. The work, itself, points to photography's inadequacies, its insufficiencies.

Whilst this is how I would prefer to contextualize my decision making process, I suspect it may not be enough for some. The truth is that at the core of this issue lies not a debate about deception or misrepresentation, nor one in which Art and Journalism exist in 'febrile rivalry', to coin Susan Sontag. After all, as Peggy J. Bowers observes in ‘Through the Objective lens: The ethics of expression and repression of high art in photojournalism2  despite the ontological, epistemological and moral chasm concerning truth, verisimilitude, and authenticity, Art and Journalism have been using the same methods for artistic expression for many years (except in one context they are done explicitly, in another implicitly - and no, I am not referring to the use of Photoshop). Was I fully aware of the context the work would be presented and understood in? Had this been previously communicated to me? Were my actions a gesture of provocation, exploitation of an unclear brief or naïve idealism? Was I aware of the ethics guidelines for journalists? Furthermore, do the constructions contribute to or invalidate the photo story? I realize that this project and recent turn of events have raised many ideas well... about ideas and various other questions about boundaries and parameters. However, I would like to clarify two important misconceptions. I do not believe I have misrepresented The New York Times or the work I produced, moreover, my oeuvre. I acknowledge that digitally altering photographs, in itself, does not constitute a problem when presented in a non-indexical context. However, aside from illustration, fashion and the occasional portraiture based project, how often are social/politically driven issues conceptualized and understood outside the scope of the canonical photo-documentary? Whilst my contractual arrangements with The New York Times have solicited much scrutiny and conjecture, of greater importance is the need to renegotiate the terms of the wider contract between author/newspaper/reader.

Over the past 10 days, I worked closely with the editors of The New York Times’ Lens blog, in order to make a selection of images available to their readers as well as to provide an insight to my way of working. Naturally, I feel let down with the introduction to the slideshow, which like the original text published in the magazine, I did not preview or approve. It is my view that there was a clear misunderstanding concerning the values and rights associated to the creative process which made a renown publication like The New York Times Magazine, commission a fine-artist, such as myself, to depict a very specific view of reality without taking all the necessary measures to ensure that I was aware of its journalistic parameters and limits. It is quite plausible that two parties might start on an assumption that there are no-misunderstandings. In the introductory text of the feature my work was defined as 'with long exposures, but no digital manipulation'. Regrettably this is not entirely correct in either sense. From the 13 images displayed online only 5 made use of long exposures. From the 73 images which I produced, only 15 comprise long exposures. On the 24 June 2009 22:51:41 BST, two days prior to the project being published, I emailed the New York Times’ writer a synopsis which I had included in the introductory page of a mock-up book which I had produced of this work. The text finished with the following words: In a study that goes beyond pure formal investigation and documentation, this work catalyses and reunites new experiences of a new form of American architecture: 'the ruins of the gilded age'.

I accept the probabilistic nature of the universe as a fact. Just as in Physics Uncertainty broke down the movement of particles to probability functions, in Photography my starting point to any project is that all reality is manipulated; all facts are a construction, shaped by those who record them. I have long expressed concern at how a vast majority of Photojournalism is incapable of representing process; whether it be the process leading up to or underpinning the event being covered or the process of assimilation, appropriation and communication of the real by the photographer. Perhaps this has something to do with Photography or the single-frame's inability to represent time. Perhaps because for journalists objective reality is not only attainable but can manifest itself through the veracity of the lens – the ‘incontrovertible’ photograph. Or perhaps because in process there is no real end product... just a set of propositions. I have always believed that even in an editorial context there should be an attempt to raise ideas about communicating ideas. This taps into
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the latent potential of Photography's failings. These photographs are no more commentaries than observations. They are meta-photographs. They deploy the metaphor of struggle between poetic failure and the promise of success to suggest a place uncertain of its future. However, as Peggy J. Bowers correctly argues, metaphors are closer to fiction than reality, thus inviting a line of questioning at odds with Journalism's preferred figure of speech: the metonymy. Bernardo Soares (one of Fernando Pessoa’s many heteronyms) wrote ‘some truths cannot be told except as fiction’3 . Perhaps it may also be the case that some truths are better told as ‘fiction’. Photojournalism has never felt the need to challenge or contravene certain rules, aesthetic or ethical. Yet, within this framework there is a perpetual search, not to mention a real need, to find new ways of assimilating and representing the real. Though I do not subscribe to the notion that it doesn't matter what the photographer knows or believes, what matters is that he creates images which will help others articulate or challenge what they believe, my intentions with this work were not to deliberate on the condition of Photojournalism nor on the need to claim artistic authorship over pictures. Was I aware of how the story would be presented to the readers? Are some of the constructions not sufficiently self-evident to have opened up a line of questioning much earlier than they did? Do I understand the New York Times' decision to pull the slideshow? Could there have been a different way of dealing with this issue? Do these constructions expose a previously unannounced way of working by the artist? Was this the right platform to invite any kind of debate? I believe it is more pertinent to ask: can we look at an image at one and the same time as a fact and a construct and be aware of the processes that underpin it? I believe we can. And does this invalidate its journalistic purpose? I don't know. Whilst I welcome some of the debate that is taking place, I did not envisage that it would be mostly centered on polarities such as ethical/unethical, right/wrong, real/unreal. Photography is a simulacrum. In reconstituting its subject, argues Barthes, it creates a new world, not seeking to duplicate it but to make it visible.4 Each and every construction serves this purpose. As does each and every factual image. Together they form a synthesis of sorts. Factually and metaphorically they permeate one another to create a wider temporal reality. One, which we cannot fully identify, nor deny. And let’s not forget that an observation is also a synthesis between what we perceive and what we conceptualize. In a society where visual communication prevails, the transparency of the camera promotes unattainable expectations. As Peggy J. Bowers rightly observes, this does a disservice to the public. ‘And it contributes to a voyeuristic culture who use and view images carelessly and gratuitously.’5 It is my view that this attitude towards Photography also does a disservice to Journalism.

Whilst it is true that my work is mostly defined by the use of non-computer assisted processes, it is not however accurate to state that I have always taken a purists stance towards Photography. Earlier projects such as 'The Rehearsal of Space' (05'-06' Portuguese and European forest fires), 'Landscapes Beyond: The Burden of Proof' (06' Icelandic glacier regions in recession) and ‘Approaches’ (06’ airport series) deal with a more conventional approach to the medium. Reality is treated less like a construction, but as the title names might suggest there are other issues at play beyond the visible. I see Photography as a complex medium that concerns wide latitude of processes and mechanisms. I have increasingly made more use of varied and experimental analogical and even digital techniques to both convey ideas and simplify my overall visual language. Such is the case with projects like Parables of Metaphor & Light, Monologues, amongst one or two others. The same goes for many of the photographs which exemplify impregnable symmetry (and no… I am not referring to projects such as The Accidental Theorist). These images are present in many past bodies of work and are quite clearly distinguishable from other images. They serve the same thematic purpose as the first images of fire, which I ever produced (though not the forest fires series, referenced above). In Bachelard’s The Psychoanalysis of Fire, the phenomenon of fire is presented as the prime element of reverie, an object of consuming essence where one is able to see oneself mirrored. A metaphor for performance, fire is also associated to the process of change - Bachelard maintains that ‘all that changes quickly can be explained by fire’6. The fires published in my first ever monograph ‘Black Holes & Other Inconsistencies’ (and contrary to the rest of the work from this series) were staged – something that I have always publicly stated. As ambiguous and as otherworldly as the remaining work is, these images stand out for their visual prowess. They are as distinctive a construction as the mirrored photographs included in the online slideshow pulled by The New York Times. They are hyperbolic statements. They evoke a disturbing elegy of a reason at the point of exhaustion. However, whereas the fires (like many of the subtler constructions created for this commission) function as allegories -representing the metamorphosis that each and every reality undergoes every time it is observed (could this be another Romantic appropriation of Heisenberg’s UP?) - the doubling/mirroring of certain images serves another function. Reality is fragmented, repeated and polarized. The doppelganger is introduced. The doppelganger has become ever more prevalent in recent bodies of work. The symmetries at play in my images operate not only on the visual level but are also intricately woven into the philosophy, which underpins the work. In Notes on a Visual Philosophy, the artist Agnes Denes refers to symmetry ‘as a way to give form to invisible processes such as evolution, changing human values, thought processes, human contradiction. It helps to map the loss that occurs in communication, i.e. between viewer and artist, between giver and receiver, between specific meaning and symbol, between nations, epochs, systems and universes.’7 I concur with these observations. Human beings spend their lives seeking to achieve wholeness when this goes against our perceptual systems and their cognitive counterparts, certainly language. For Lacan, it is the mirror phase, an early constituent for identity (and best understood as a metaphor for subjectivity), which provides an imaginary sense of "wholeness" to the experience of a fragmentary reality. For this Neo-Freudian psychoanalyst the mirror stage establishes the ego as intrinsically dependent on an Other. The concept of lack, as essential to human consciousness and behavior is therefore pivotal to Lacan’s work. Symmetry helps to map the parameters of human existence and communication, moreover its inconsistencies, its dialectic impetus. For me it also highlights that ‘the camera’s rendering of reality must always hide more than it discloses’8> and that in the presence of the lens the photographic subject ‘instantaneously adopts another body, transforming itself in advance into an image’9.

In a world of speedy access to information, truisms can sometimes be formed on the basis of intermittent and indolent internet searches. Some have found it difficult to reconcile the use of digital technology in the work I produced for New York Times with the fact that I stated in other contexts that I did not resort to digital processes, particularly in a monograph entitled Topologies, published by Aperture Books, in 2007. A more thorough research would reveal that in monographs or publicity material for shows pre late 2006, I had always avoided discussing process. In this context it made sense to include constructed images, which increased the fictional properties of the work. In 2006, however, my work started addressing issues of construction and theatricality, but without resorting to actual physical or digital
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constructions. Unlike previous bodies of work, I felt that with The Accidental Theorist series, in particular, there was a need to establish a connection to reality from the outset. I could then draw the viewer away from any sense that what they were looking at was a construction, a pastiche of fragmentary or imaginary realities. Holding on to the analogical photograph’s undeniably powerful implicit truth claims is a way of recovering reality. The work seeks the viewer, envelops it and asks for more time. This series depends on the presumptive anchorage of the photograph to the real. But there is a disturbing suggestion that all is not what it seems. The moment of recognition that there is something else going on, the all too crucial moment of suspended disbelief, is the highest point that one can achieve. This process of slow revelation and sense of temporal manipulation is crucial to the work. This is the reason why in the Topologies monograph, and contrary to past bodies of work, I decided to divulge some information concerning the relevant production process. The work is analogically produced and portrays found scenario, using only available lighting. I took and take the view that making a distinction between the bulk of the work and the small minority of images, which required any kind digital mediation/restoration, was wholly irrelevant. After all, it is not about revealing, omitting or negating the process but inciting in the viewer a dialectic of sorts, which will make them engage more actively with the images. Articulating, questioning and challenging this process is the viewer’s role. In the end a photograph is silent and can only be confronted visually.

I do not believe I have inadvertently contributed to an erroneous perception that some seem to have formulated concerning my views on digital technology. I realize I have cultivated the experience of illusionism (some ask if I have taken it too far), omitting precise labels, using heteronyms, purposefully creating singular and highly symmetrical constructions in otherwise fairly conventional photographic bodies of work, using long exposures to portray mundane phenomena and landscapes or found scenarios in such a way that it borders on magic. Is it possible that even the artist can start loosing track of the real and the boundaries between objectivity and fiction, reality and its image start blurring and overlapping? I can only hope so. Photography is not merely a primitive kind of theatre. At its best it is a spectacle for the gaze and mind. ‘Believe not what I say’, ushered a strangely dressed man, as I stepped into the theatre. ‘For I say what I say to invite you to look closer’. Notably, this is my sole recollection of the only magic act, which I have had the misfortune to see. Notably, the act started even before the curtain was raised and the public took to their seats.Discussions about process are all but irrelevant in today’s world. I, for one, am happy that my images will once again be viewed with a degree of ‘skepticism’. Perhaps now the focus may shift from ‘how’ to ‘why’ (…eventually anyway…).

I recognize that when the contract between author/newspaper/reader is broken it negates the newspaper’s raison d’être and alienates its public. However, and to paraphrase a curator who recently commented on this issue, I do not believe The New York Times commissioned me because my work is defined by the use of ' long exposures, but no digital manipulation', but because the strength of the work resides precisely in the illusion of photographic transparency. I fully understand the need to protect journalism and its ethics. Conversely, in the same way as journalists derive their authority from a binding relationship to truth, would it have been possible for an artist, such as myself, to render his views obsolete and tackle this project in any other way than its present form? I suspect that, if I had done this, I would surely have misrepresented my work, moreover the viewer. Just as the ‘transparency of the camera can represent the honesty of those who wield it’10 so too can its ambiguity.

Lewis Hine has famously stated that whilst photographs do not lie, liars may photograph. This observation, moreover, this polemic, has hinted at a very peculiarly contemporary condition, a society which is particularly sensitive about it’s own crisis. We live in a world affected by post-modern uncertainty, post-capitalist nihilism and post-colonial doubt. ‘The center no longer holds’. In a society where truth is as fleeting a construction as our ever changing cultural values, we resist this process of self-interrogation by holding on to certain mythic archetypes. Mythic archetypes are employed in photography as a means of propagating and addressing the question of truth. Whist Photography still delimits areas of contestation, particularly when introduced into a political or scientific debate, challenging photography’s inexorable links to the real is therefore questioning the last few tools at the disposal of the purveyors of myth and truth.

Edgar Martins 19.07.2009

(to view a wider selection of images from this project, please visit www.edgarmartins.com)

 

1
 (Nietzsche, Friedrich, Thus Spoke Zarathustra Part 111: Of Vision and the Riddle in ‘A Nietzsche Reader’, Penguin, London, 1977, p. 251)
2
  (Bowers, Peggy J, Through the Objective lens: The ethics of expression and repression of high art in photojournalism in American Communication Journal, Vol. 10, Issue S 200)
3
  (Pessoa, Fernando, The Book of Disquiet, Penguin Classics, 2002 [first published in 1983])
4
 (based on a statement by Barthes, Roland, The Structuralist Activity, Kursbuch, May 1996, p.190)
5
  (Bowers, Peggy J, ibid)
6
  (Bachelard, Gaston, The Psychoanalysis of Fire, Beacon Press, January 1987)
7
  (Denes, Agnes, Notes on a Visual Philosophy, Published in Hyperion: On the Future of Aesthetics, a web publication of The Nietzsche Circle: www.nietzschecircle.com, October 2006)
8
  (Sontag, Susan, On Photography, London, Penguin, 1977, p.11)
9
  (based on a statement by Barthes, Roland, Camera Lucida, Reflections on Photography, London, J. Cape, 1982, p.10–11)
10
  (Bowers, Peggy J, ibid)

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