Synthetic Statistics
Conversa com Miguel Wandschneider, Florian Hecker, Robin Mackay e Michael Newman
PORTA33 — 25.05.2019
Conversa com Miguel Wandschneider, Florian Hecker, Robin Mackay e Michael Newman
PORTA33 — 25.05.2019
Entre 25 de Maio de 2019 e 10 de Agosto de 2019, a Porta 33, no Funchal,
apresenta a
exposição Synthetic Statistics, do artista alemão Florian Hecker. Esta não é a sua
primeira exposição individual em Portugal. No Outono de 2012, o Lumiar Cité, em Lisboa,
apresentou a sua instalação sonora Articulação, prolongamento de uma outra peça,
Chimerization, com a qual nesse mesmo ano participara na Documenta de Kassel. Três
anos mais tarde, no Outono de 2015, a Culturgest apresentou no Porto a exposição
Formulations, sequência de treze peças sonoras produzidas entre 2006 e 2015, que
perfazia cinco horas e quarenta minutos de duração. Esta exposição haveria de ser, um ano
mais tarde, recriada no museu de arte contemporânea de Frankfurt (MMK), numa versão
expandida de dezasseis peças. Agora, em Synthetic Statistics, Hecker reúne três
instalações sonoras para três canais áudio: Hinge, de 2012, Synthetic
Hinge, de 2016, e Synthetic Statistics (complete imposition), produzida
por ocasião da exposição e à qual esta foi buscar o seu título.
Ao longo de mais de vinte anos, Florian Hecker tem recorrido a diferentes modos de
apresentação e recepção do seu trabalho, posicionando-se simultaneamente no campo da música
erudita e no campo da arte contemporânea, e fazendo assim chegar o seu trabalho a públicos
distintos. A uma extensa discografia que inclui mais de vinte e cinco títulos (muitos deles
publicados pela Editions Mego) junta-se a realização regular de concertos, apresentações
áudio e performances. Paralelamente, e com cada vez maior frequência, Hecker tem
desenvolvido as suas pesquisas sónicas em formato expositivo, seja em galerias, seja em
museus e centros de arte contemporânea (a sua primeira exposição individual num museu de
arte contemporânea teve lugar no MMK de Frankfurt, em 2010). Várias das suas composições
foram produzidas tanto em versão de álbum, como em versão para contexto expositivo enquanto
peças de três ou quatro canais. Nos últimos anos, contudo, o contexto expositivo é aquele
que mais o tem interessado para a apresentação, a receção e a contextualização do seu
trabalho. A conjugação de diferentes fontes sonoras, rigorosamente posicionadas e
direcionadas num espaço com características específicas, permite-lhe não só expandir o seu
campo de possibilidades ao nível compositivo, mas também intensificar e desestabilizar a
experiência cognitivo-percetiva do espectador ao mobilizar o seu movimento no espaço e as
correlativas mudanças no seu foco de atenção.
Existe toda uma história de utilização do som no campo da arte contemporânea, sobretudo a
partir do final da década de 1960, com a proliferação de obras em vídeo, de performances, ou
da imensa variedade de híbridos materiais e formais a que se convencionou chamar instalação.
Contudo, num campo ainda hoje dominado pelos códigos da visualidade, assim como pela
textualidade como regime de interpretação e integração das obras de arte no mundo, as
pesquisas sónicas de Hecker constituem um enorme desafio às expectativas e aos hábitos
percetivos e cognitivos dos públicos de arte contemporânea, desde logo dos próprios
profissionais do campo. Hecker explora o som (sintético) na sua irredutível materialidade,
como coisa em si mesma, recusando intransigentemente a melodia ou o ritmo, referências ao
mundo exterior e vivido, a representação e a narrativa. As suas obras produzem uma descarga
e sobrecarga de micro-acontecimentos acústicos que induzem uma experiência de radical
desfamiliarização, curto-circuitando a relação entre memória e perceção auditiva,
neutralizando qualquer modo de empatia por parte do espectador, mantendo-o assim numa
posição de exterioridade, fora de qualquer protocolo de imersão ou participação.
Podemos afirmar que as instalações sonoras de Hecker são herdeiras da mudança paradigmática
trazida pela escultura minimalista, não tanto por via da irredutível autonomia do objeto (do
som) relativamente a referentes e referências exteriores, mas sobretudo pela transposição
para objetos sónicos e acontecimentos acústicos da investigação da tensão ou do hiato
fenomenológico entre a unidade do objeto (neste caso, o som) e a contingência da sua
perceção (neste caso, auditiva). Mutatis mutandis, as suas instalações sonoras,
laboriosamente construídas com recurso a tecnologias de som digital e orquestradas com
apurado rigor formal e estrutural no espaço, intensificam a relação indissolúvel e recursiva
entre o objeto, o espaço ativado pelo objeto e o sujeito que perceciona e assim reconstrói o
objeto através da sua experiência situada no espaço e no tempo. Em consequência, e tal como
a escultura minimalista, as suas instalações sonoras induzem no espectador uma consciência
autorreflexiva: a perceção dos objetos sónicos e dos acontecimentos acústicos suscita uma
consciência aguda do próprio ato de perceção auditiva.
Miguel Wandschneider, Lisboa, 23 Maio 2019
Between 25 May and 10 August, 2019, Porta 33 is hosting an exhibition
Synthetic
Statistics by the German sound artist Florian Hecker in Funchal. This is not his
first individual exhibition in Portugal. In the Autumn of 2012, the Lumiar Cité in
Lisbon presented his sound installation Articulation which was the continuation of
another piece of sound work he did called Chimerization on exhibition at the Kassel
dOCUMENTA 13 in 2012. Three years later, in the Autumn of 2015, Culturgest hosted
his Formulations exhibition in Oporto consisting of a sequence of thirteen sound
tracks produced between 2006 and 2015, lasting five hours, forty minutes. A year later, the
exhibition was recreated for the Frankfurt contemporary art museum (MMK) in an enlarged
version comprising sixteen sound compositions. Now, in Synthetic Statistics, Hecker
has collected three sound installations for three audio channels: Hinge, 2012;
Synthetic Hinge, 2016, and Synthetic Statistics (complete imposition)
produced for this occasion under the title of this last composition.
Over the last twenty years, Florian Hecker has resorted to different kinds of representation
and hearings of his work, situating himself at one and the same time in the field of erudite
music and in the field of contemporary art; he has therefore allowed his work to reach
different kinds of audiences and spectators. His extensive discography which includes more
than twenty-five records (many of which have been produced by Editions Mego) go hand-in-hand
with the regular concerts he gives of his soundings and performances. At the same time, and
to an increasing degree, Hecker has been pursuing his sound research for the purpose of
exhibiting them whether they are in galleries or in museums and contemporary art centres
(his first individual exhibition in a contemporary art museum took place at the MMK in
Frankfurt in 2010). Several of his compositions were produced as much for record albums as
for exhibition settings relying on three or four channels. During the last few years,
however, he has directed his attention more on his installations where his work is
presented, heard and contextualised. His conjugation of different sources of sound that are
precisely positioned and aimed at specifically chosen spaces, allow him not only to expand
his range of compositional possibilities but also intensify and destabilise the
listener’s perceptive-cognitive experience by requiring him to move through the space
and in in so doing, make adjustments to his focus of attention.
There is a whole history of using sound in the sphere of contemporary art, mainly as from
the end of the 1960s when there was a proliferation of work using video, performance or a
wide variety of hybrid and formal materials soon to become known as installations. However,
in an area where even today, visual codes as well as textual codes still predominate as a
system for interpreting and integrating works of art in the world, Hecker’s research
into sound launches a serious challenge in terms of the expectations and the perceptive and
cognitive habits of the contemporary-art public, and not least of all the professional
artists working in this field. Hecker explores (synthetic) sound in its unchangeable
material quality as an end in itself, categorically refusing the melody or the rhythms
referring to the living outside world, its representation and narrative. His work produces a
discharge and an overcharge of acoustic micro-happenings that give rise to a radically
unfamiliar experience, short-circuiting the relationship between memory and auditive
perception, neutralising any kind of empathy the spectator might have, thereby relegating
him to the outer limits far beyond any pact to immerse him or encourage his participation.
We could say that Hecker’s sound installations are the heirs of a paradigmatic change
brought about by minimalist sculpture not so much due to the immutable autonomy of the
object (the sound) in terms of exterior referents and references, but above all by
transposing to sonic objects and acoustic happenings, his investigation into the tension or
the phenomenological hiatus between the object’s unity (in this case, the sound) and
the contingency of its perception (in this case, auditive perception). Mutatis
mutandis, his sound installations which are laboriously constructed by using
digital and orchestral sound technology that is applied with refined formal and structural
rigour in the space, intensify the permanent resourceful relationship between the object,
the space animated by the object and the subject that perceives and therefore reconstructs
the object by means of his experience situated in space and time. As a result, and similar
to what happens in minimalist sculpture, Hecker’s sound installations induce a
self-reflective awareness in the spectator: perceiving the sound objects and acoustic
happenings gives rise a sharp awareness of the very act of auditive perception.
Miguel Wandschneider, Lisbon, May 23, 2019
Robin Mackay, diretor da Urbanomic Media Ltd, editora que divulga a relação interdisciplinar na arte contemporânea.
Michael Newman é professor no Departamento de Arte de Goldsmiths da Universidade de Londres.
Miguel Wandschneider, membro da Guy de Cointet Society (Paris). Durante uma década, foi responsável pela curadoria do programa de exposições da Culturgest.