Pedro A. H. Paixão
PORTA33 - 15.12.2018

Leitura por Pedro A. H. Paixão

Sobre o artista:
Nasceu em Angola, mas partiu para Portugal aos 4 anos. Vive em Milão há quase duas décadas, mas não dispensa as visitas à cidade onde cresceu, Lisboa. Venceu, este ano, a primeira edição do Prémio Navigator Arte em Papel, da Navigator Company, promovido em parceria com o Expresso. Veio à Porta 33 refletir sobre o desenho enquanto "lugar do possível". Dos infinitos possíveis. E é precisamente em nome desse espaço aberto de possibilidades que o artista defende a arte em si mesma, "a arte de viver", como experiência do mundo sensível, votando-se a uma espécie de abandono da concetualidade. 

Principais "reflexões improvisadas sobre a conceção do desenho" 

"Todos nós convivemos com o desenho desde a infância. Para mim, o desenho não é uma arte, é uma convivência com a possibilidade da vida gráfica."
"Durante muitos anos, fui construindo a minha maneira de olhar para o mundo, distanciando-me do tempo em que estou a viver. A arte, para mim, é a arte de viver. O desenho, para mim, é algo separado disso. As crianças vivem o desenho sem arte. Sem essa sofisticação."
"Quando entrei para o ensino da arte, deixei de desenhar, porque era mais importante a concetualidade do que a arte em si. Senti que vinha com uma técnica, mas não conseguia, ainda, pensar através dela. E fechei a minha relação com a técnica. Tive. durante alguns anos, uma relação conflituosa com um dom que tinha, e isso fez-me refletir sobre o que era esta coisa do desenho, porque o desenho, apesar de eu rejeitar a técnica, continuava a fazer parte da minha vida. Então, comecei a interrogar-me sobre o que era o desenho: é o espaço onde uma pessoa podia desenvolver uma vida gráfica, era o lugar do possível. E fiz uma investigação sobre isso. Será que, antes do Renascimento, havia pessoas que pensavam o desenho de outra maneira? E percebi que sim."

Do sensível ao (im)possível

"O desenho aparece quando o possível se abre perante nós. Relacionar-se com esta esfera em que as coisas se tornam possíveis, e ser sensível a isso, é uma arte. É qualquer coisa de difícil, que se constrói com o tempo (...) O meu trabalho foi um trabalho que se dirigiu nesse sentido, de aprender a lidar com campos do sensível que se abriam. Esta é a noção que eu tenho do desenho. Afastei-me dos grafemas. A sensação que eu tenho é que há grafemas sem desenho, que não têm possíveis, que estão esgotados."
"O pensamento é a capacidade de uma pessoa abrir uma esfera de interrogação sobre qualquer coisa, e o pensamento está nessa dimensão frágil de interrogação. Para mim, o trabalho que o Paulo [David] fez é exemplar nesse sentido, porque muitos destes projetos não se tornaram obras, mas está ali um trabalho de interrogação sobre o território."
"Há desenhos que eu faço e não quero fazê-los, mas há algo que me diz para fazer aquilo, para ter coragem. E eu, às vezes, não tenho corpo para isso, e sou destruído [riso]."

Palavras, para quê?

"Acho que os trabalhos não têm de ter nenhum discurso ao lado, os trabalhos têm de ter tudo. O meu ideal é trabalhar para que as imagens sejam absolutamente autossuficientes, para que as pessoas não precisem do discurso. Vivemos mum tempo muito cheio de narrativas para aceder ao sensível (..) Um dos grandes desafios do nosso tempo é sermos capazes de fazer um catálogo sem textos, sem folha de sala. E sermos avassalados pelo sensível."
"De há uns anos para cá, sinto que tenho de dar muito mais espaço ao mundo sensível. A arte, no sentido da técnica, tem de estar presente, para poder apresentar esse sensível de uma maneira que a pessoa sinta. Há sensíveis que, se forem verdadeiramente requintados, podem captar coisas que nos assaltam, que nos inquietam, de uma maneira que pode, até, ser amorosa."