Quando a Cecília e o Maurício me propuseram embarcar na aventura que
viria a constituir o Ilhéstico, e a partir do momento em que consensualizamos que a
exposição se deveria desdobrar pela cidade do Funchal, imediatamente referenciei a
Casa Catanho, loja emblemática na Praça do Município, como um dos locais
imprescindíveis para o percurso que se estava a desenhar. Sempre me intrigou aquela
montra, onde a disparidade de produtos surpreende qualquer transeunte, alguns
descolorados por longos períodos de exposição ao sol, outros estranhamente recentes.
Se a disposição da montra se ia alterando, porque se mantinham artigos oriundos de
décadas anteriores – seria este um caso de sobreposição do efeito
vintage com uma necessidade de escoamento?
Sara Tristão, ao intervir nesta loja histórica, não quis
que a sua narrativa se impusesse: as suas peças conviviam em esquiva harmonia com
artefactos tão diversos quanto inusitados (brinquedos, produtos de beleza, materiais
de papelaria, etc.). Ao integrar nessa realidade um modus operandi que lhe é peculiar,
ou seja, a recoleção e posterior disposição de objetos à partida não
artísticos, Sara Tristão revela quão simples podem ser os processos criativos na
busca de máxima eficiência estética.
A sua ação constitui uma partitura de pequenos gestos, mudando de local e
configuração alguns artigos expostos, pontuados por esculturas que em improvisação
calculada conjugavam elementos de uma natureza onde se modela a sua mencionada
propensão recolectora (troncos, pedras, um crânio animal...). Arte ecológica. Arte
contextual, onde a transfiguração de um espaço se manifesta por (des) alinhamentos
subtis e sensações reordenadas mediante uma métrica telúrica.
Miguel Von Hafe Pérez
When we were first thinking about Ilhéstico, with Cecília and Maurício, I
immediately proposed Casa Catanho as one of the places to include in this show. I was
always intrigued by their shop window and the surprising variety and disparity of the
products in display, some old and discoloured by the sun and others surprisingly new. If
they changed the products in display, why didn’t they remove the older ones, sometimes
decades old?
Intervening in this historic store, Sara Tristão tried to incorporate her pieces into
this setting as harmonically as possible, adding to this odd collection of artefacts
(toys, beauty products, stationery, etc.), her own practice of collecting and displaying
non-artistic objects — and revealing how simple creative processes can be in the context
of a search for maximum aesthetic efficiency.
Her action produces a score of small gestures, changing the location and configuration
of some of the products in display, punctuating the space with sculptures that
conjugate elements of a nature that highlights her propensity for gathering and
collecting (twigs, stones, an animal skull...). Ecological art. Contextual art: the
transfiguration of a space is manifested by subtle (dis)alignments and sensations that
are reordered using a telluric metric.
Miguel Von Hafe Pérez